Em entrevista exclusiva ao CNN Money, o editor de temas latino-americanos do Financial Times – um dos principais jornais de negócios e economia do mundo -, Michael Stott, analisou a situação econômica e política brasileira sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O jornalista também abordou questões como o pacote de corte de gastos prometido pelo governo, as expectativas em torno do G20 e o impacto das eleições dos Estados Unidos no cenário internacional e no Brasil.
“Na parte econômica foi mais difícil, porque o governo Lula voltou atrás a uma estratégia do primeiro mandato de aumento forte de gastos e uma ideia de que o Estado é a solução para todos os problemas econômicos, e não é necessariamente o correto para hoje em dia. Então acredito que a parte econômica tenha sido o mais fraco do governo Lula”, afirmou Stott em entrevista ao analista sênior de assuntos internacionais da CNN, Américo Martins.
Apesar da crítica, o jornalista vê com bons olhos a economia brasileira para os próximos anos.
“Estou relativamente otimista, porque tem fundamentos fortes”, disse.
Na exclusiva, Stott diz que o presidente Lula conseguiu acalmar o país depois de um momento difícil no começo do mandato. Ele também destacou a independência do Banco Central como ponto positivo e a disciplina fiscal na ponta negativa.
Ainda na sua análise, o jornalista do Financial Times chega a dizer que o mercado continua cauteloso sobre a responsabilidade fiscal no Brasil, mas que a situação pode ser revertida caso o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anuncie em breve um pacote fiscal forte de redução de gastos.
A entrevista foi realizada na véspera das eleições nos Estados Unidos, em 5 de novembro, com a vitória do republicano Donald Trump.
Confira a entrevista exclusiva com o editor de temas latino-americanos do Financial Times, Michael Stott:
Qual é sua avaliação do governo Lula até aqui? Quase dois anos, o que ele tem feito de correto, quais são os desafios e onde ele erra?
Na verdade, o governo Lula teve um começo difícil com aquela história dos bolsonaristas em janeiro. Talvez o começo mais difícil que se poderia ter imaginado para um governo. Acho que o governo Lula enfrentou bem esse desafio, logrou acalmar o Brasil e manter a força institucional. Logo depois pôde começar a sua agenda, então houve o combate ao desmatamento, muito importante para o cenário internacional, um tema importante na mudança climática.
Na parte econômica foi mais difícil, porque o governo Lula voltou atrás a uma estratégia do primeiro mandato de aumento forte de gastos e uma ideia de que o Estado é a solução para todos os problemas econômicos, e não é necessariamente o correto para hoje em dia. Então acredito que a parte econômica tenha sido o mais fraco do governo Lula.
Na economia, o que tem funcionado e o que não tem funcionado?
O que funcionou é o respeito até agora com a independência do Banco Central e o respeito às reformas feitas o governo Bolsonaro, como a reforma das previsões, que foi muito importante para o orçamento federal. A parte de menos sucesso tem sido a disciplina fiscal.
O arcabouço fiscal, que foi a grande proposta, não foi bem recebido pelo mercado porque não achou que realmente representou uma disciplina fiscal necessária para o Brasil neste momento. As previsões do mercado agora são para deficit bastante elevado para os próximos três anos, um problema para o Brasil e por isso houve a queda do real.
A grande discussão este momento é de como o Brasil pode cortar gastos para equilibrar as contas. Mas o governo não apresentou nenhuma proposta formal até este momento. Você espera que as propostas sejam apresentadas rapidamente?
Acredito que vão ser apresentadas rapidamente, mas duvido que sejam suficientemente fortes para satisfazer o mercado financeiro. E a razão diso é que o governo está quase na metade, pensando nas próximas eleições, com vontade grande de gastar para ganhar votos.
E você tem um Congresso que favorece o gasto, então a parte importante aqui também é o Congresso Federal e ele não tem mostrado muita disciplina fiscal nas suas propostas, ele gosta de gastar e não de forma muito eficiente.
O governo Bolsonaro também teve problemas fortes com o Congresso e sua vontade de gastar. E isso é um problema estrutural do sistema político brasileiro.
Isso não se resolve com poucas medidas, é preciso realizar um corte mais estrutural, mais profundo?
Sim. É preciso achar um reequilíbrio dos Três Poderes. Se fala muito que no Brasil aumentou o poder no Congresso, mas não houve aumento na responsabilidade. A responsabilidade ficou para o presidente e para o governo, mas o poder ficou com o Congresso. E a isso é perigoso para qualquer sistema democrático.
Como isso poderia ser feito?
Acho que tem duas opções: uma é fortalecer a presidência e a outra é colocar um sistema parlamentarista. Esse sistema não é uma tradição latino-americana, não só do Brasil.
Até agora não houve um país na América Latina que tenha adotado o parlamentarismo. Mas o Brasil nos 15 anos tem ido nesse sentido, informalmente, na prática.
Voltamos ao ajuste de contas, aonde, na sua avaliação, deveriam ser feitos esses cortes mais profundo?
Se fala que o Brasil gasta muito, mas gasta mal. O problema é a eficiência do gasto. O Brasil tem um nível de gasto muito elevado, entre os mais altos da América Latina, assim como de impostos. Mas tem muito dinheiro mal gasto e uma burocracia custosa e que não dá bons resultados.
Na educação, se fala que o Brasil gasta como a França, olhando a representação do PIB, mas os resultados são bem inferiores. Uma questão sobre muito gasto e pouca eficiência.
No governo passado houve uma reforma administrativa, que foi uma reforma bem pensada, muitos especialistas acharam que foi a coisa certa. Mas neste governo não foi retomada a iniciativa, e faz falta.
Existe uma resistência muito grande de uma boa parte dos “cabeças do estado”. Como resolver essa questão?
Isso também fica no Congresso. É uma instituição com orçamento muito generoso. O orçamento do congressista brasileiro é uma coisa inacreditável, não só o salário, mas outras despesas. Coisa que na Europa seria impensável.
Mas é muito difícil pedir um legislador para votar por uma redução de gastos. É preciso uma conscientização do público para pedir esse tipo de reformas para ter um Estado que serve melhor o público brasileiro. No final das contas o que se quer é um orçamento gastado para o benefício do brasileiro, não para o funcionário do Estado.
Você disse que muito dificilmente o mercado vai receber bem os cortes que provavelmente vão ser anunciado. Eles esperam mais cortes, melhor qualidade dos cortes ou por que eles não acreditam na gestão do presidente Lula e do ministro Haddad?
Acredito que os mercados tenham dúvida sobre o compromisso do governo para lograr uma redução de deficit.
Existe uma possibilidade disso ser revertido?
Se o ministro Haddad saísse nesta semana ou na próxima com um pacote forte de gastos crível, com possibilidade de realizar, e o Congresso aceita, o mercado muda sua opinião. Não parece provável neste momento, mas que é possível é possível.
Qual é sua avaliação sobre o ministro Fernando Haddad?
O ministro Haddad é uma pessoa séria e com muita experiência politica. Uma pessoa que está se vendo em um governo com cabeças mais à esquerda do que ele. Uma pessoa que esta defendendo a disciplina e o gasto, pois outras vozes no PT estão argumentando por um gasto maior. E o Haddad fica em uma posição pouco confortável de limitar o gasto. E sempre fica a questão de até que ponto o presidente apoia ele ou não.
Este ano tivemos um avanço importante, que foi a aprovação da primeira fase da reforma tributária. Qual é sua expectativa real da implementação disso?
Simplificação fiscal é muito bem-vinda no Brasil, é uma coisa pedida há muitos anos por parte das empresas se setor privado. O Brasil tem um sistema tributário dos mais complicados e custosos de administrar.
É um começo, é preciso regulamentá-lo e veremos na regulamentação se o Congresso quer seguir na linha da simplificação ou se começamos a ver um monte de isenções e interesses especiais — o que está começando a acontecer.
Uma questão importante e geralmente uma crítica que vem sendo feita é a dos juros. Neste momento a inflação deve fechar acima da meta e mesmo assim os juros reais já são muito altos, com uma expectativa que aumentem. O que o governo deveria fazer de forma estrutural para os juros caírem?
O governo está pagando nos juros um preço muito alto pela falta de disciplina fiscal. O que esta acontecendo com o nível alto dos juros — muito alto comparado com outros mercados emergentes — é pela desconfiança do mercado em reduzir os gastos. Então se o governo quer reduzir os juros é sair com um pacote de recortes fiscais importantes e criveis para o mercado que reestabelecesse a disciplina fiscal.
Uma mudança que temos no início do ano que vem é o presidente do Banco Central. O economista Gabriel Galípolo, hoje diretor do Banco Central, ira assumir a presidência no lugar de Campos Neto. Você teme que o Galípolo seja mais leniente no combate à inflação?
É uma preocupação do mercado. Conheci o Galípolo e é uma pessoa bem preparada, severa e que não tem intenção nenhuma de comprometer a independência do Banco Central, ele entende a importância da instituição. Ele vai defender a autonomia do Banco Central nas suas decisões.
Falta ver na prática o que vai acontecer na sua presidência. Se o mercado chega a pensar que o Banco Central está perdendo independência, a tendência é castigar isso no mercado cambial.
Voce está otimista?
Acho que é cedo para avaliar.
Uma outra crítica que existe é que o mercado joga contra o país, não só do governo da vez. Existe sempre a crítica de que o mercado nunca parece satisfeito.
É uma crítica muito da esquerda e é resultado de uma falta de compreensão de como funciona o mercado financeiro. O mercado é livre e coloca preços sobre os riscos. O mercado reflete uma expectativa quanto à política econômica. Mas não tem um ponto de vista a favor ou contra do país.
Qual é sua expectativa para e economia brasileira em 2025, 2026 e no futuro proximo?
Estou relativamente otimista, porque tem fundamentos fortes. Um é a agorexportação, muito forte no Brasil e sucesso no setor privado nos últimos anos, sendo uma das industrias agroexportadores mais competitivas.
E também tem o aumento da produção de petroleo, menos comentada, mas igualmente importante. O Brasil tem esses dois pilares que dão uma base muito forte, fora a inovação e o setor privado competitivo.
A qustão é que poderia crescer mais com politicas corretas.
Então é o setor publico que precisa fazer o dever de casa, fazer reformas e ajudar a alavancar a economia?
Sim, porque acredito que o Brasil poderia estar crescendo a 5% ou 6% ao ano, como a Índia. O Brasil fez isso no passado, nos anos 50, 60 e 70. Foi o país que mais cresceu, estava acrscendo quese 10% anual.
Ele poderia voltar a crescer mais rápido, só precisa de políticas governamentais que vão favorecer o setor privado e deixar que esse crescimento aconteça, chamando o investimento estrangeiro.
O que podemos esperar do encontro do G20 e o que isso pode ajudar na inserção global do Brasil?
O G20 é um fórum que tem tudo muitas dificuldades nos ultimos 2 ou 3 anos pela invasão da Ucrânia, que dividiu os dois mundos. O Ocidente sempre quis punir muito a Rússia, o Putim, e isso cria uma divisão dentro do G20 e dificultou o diálogo.
O Brasil tem um desafio muito grande. Se poderia lograr um consenso neste ano com a guerra ainda continuando.
Qual é o impacto do resultado da eleição americana, dependendo de quem for o vencedor, para o Brasil?
Para o Brasil, essa eleição é menos importante do que para outros paises do mundo.Os europeus estão preocupados com a guerra da Ucrânia, os mexicanos estão preocupados com o acordo de livre comercio.
Para o Brasil, o impacto é menor, seria mais ao nível politico e diplomático. O presidente Lula se sentiria mais confortável com uma vitória de Harris, e os bolsonaristas vão estar felizes se ganhasse Trump de novo.
Também o sucesso da COP no ano que vem, para o Brasil, será muito afetado. Trump não acredita no sucesso da COP e não virá provavelmente à COP, então isso seria muito complicado para o Brasil. Mas, no geral, o impacto é menor.