Em discurso na segunda sessão da Cúpula de Líderes do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse serem necessárias mudanças nas instituições de governança globais.
“Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita”, afirmou Lula nesta segunda-feira (18), no Rio de Janeiro.
A segunda sessão de reuniões tem como foco justamente a necessidade de reformas das instituições de governança global. Mais cedo, na abertura da cúpula, houve o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
No discurso, Lula criticou a “apologia do Estado mínimo” pós-crise econômica de 2008.
“Naquele momento, escolheu-se salvar bancos em vez de ajudar pessoas. Optou-se por socorrer o setor privado em vez de fortalecer o Estado. Decidiu-se priorizar economias centrais em vez de apoiar países em desenvolvimento”, afirmou.
“O mundo voltou a crescer, mas a riqueza gerada não chegou aos mais necessitados. Não é surpresa que a desigualdade fomente ódio, extremismo e violência. Nem que a democracia esteja sob ameaça. A globalização neoliberal fracassou”, acrescentou.
A resposta para a crise do multilateralismo é mais multilateralismo.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República
Lula conclamou que as lideranças globais presentes no Rio para o G20 se posicionem “para mudar o curso da humanidade” e voltou a criticar o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), chamado pelo presidente de omisso.
“O uso indiscriminado do veto torna o órgão refém dos cinco membros permanentes”, disse, se referindo ao poder exercido por China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia para derrubar deliberações do Conselho.
Para Lula, é necessário que não hajam “debates interditados” ou “linhas vermelhas intransponíveis” para se discutir o tema.
“O futuro será multipolar. Aceitar essa realidade pavimenta o caminho para a paz”, disse.
Leia a íntegra do discurso:
“A história do G20 está entrelaçada com os abalos sofridos pela economia global nas últimas décadas.
Ações oportunas evitaram que a crise de 2008 redundasse em um colapso de proporções catastróficas.
O ímpeto reformador foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e a apologia do Estado mínimo.
Naquele momento, escolheu-se salvar bancos em vez de ajudar pessoas.
Optou-se por socorrer o setor privado em vez de fortalecer o Estado.
Decidiu-se priorizar economias centrais em vez de apoiar países em desenvolvimento.
O mundo voltou a crescer, mas a riqueza gerada não chegou aos mais necessitados.
Não é surpresa que a desigualdade fomente ódio, extremismo e violência. Nem que a democracia esteja sob ameaça.
A globalização neoliberal fracassou.
Em meio a crescentes turbulências, a comunidade internacional parece resignada a navegar sem rumo por disputas hegemônicas.
Permanecemos à deriva, como se arrastados por uma torrente que nos empurra para uma tragédia.
Mas o confronto não é uma fatalidade.
Negar isso é abrir mão da nossa responsabilidade.
Em torno desta mesa estão os líderes das maiores economias e blocos regionais do planeta.
Não há ninguém em melhor posição do que nós para mudar o curso da humanidade.
Este ano, a reforma da governança global entrou em definitivo na agenda do G20.
Pela primeira vez, o grupo foi à ONU e aprovou, com o endosso de outros quarenta países, um Chamado à Ação.
Mas esse chamado é apenas um toque de despertar.
A omissão do Conselho de Segurança tem sido ela própria uma ameaça à paz e à segurança internacional.
O uso indiscriminado do veto torna o órgão refém dos cinco membros permanentes.
Do Iraque à Ucrânia, da Bósnia a Gaza, consolida-se a percepção de que nem todo território merece ter sua integridade respeitada e nem toda vida tem o mesmo valor.
Intervenções desastrosas subverteram a ordem no Afeganistão e na Líbia.
A indiferença relegou o Sudão e o Haiti ao esquecimento.
Sanções unilaterais produzem sofrimento e atingem os mais vulneráveis.
As instituições de Bretton Woods impuseram obstáculos aos próprios objetivos de desenvolvimento sustentável que deveriam promover.
Impasses recentes em torno do Tratado de Pandemias, do Pacto para o Futuro e da COP da biodiversidade de Cáli mostram que a diplomacia vem perdendo terreno para a intransigência.
Não deve haver debates interditados, nem linhas vermelhas intransponíveis.
Por isso, o Brasil propôs, em Nova York, a convocação de uma conferência de revisão da Carta da ONU, nos termos do artigo 109.
Apenas 51 dos atuais 193 membros das Nações Unidas participaram de sua fundação.
Também é urgente rever regras e políticas financeiras que afetam desproporcionalmente os países em desenvolvimento.
O serviço da dívida externa de países africanos é maior que os recursos de que eles dispõem para financiar sua infraestrutura, saúde e educação.
A cooperação tributária internacional é crucial para reduzir desigualdades.
Estudos encomendados pela Trilha de Finanças do G20 são reveladores.
Uma taxação de 2% sobre o patrimônio de indivíduos super-ricos poderia gerar recursos da ordem de 250 bilhões de dólares por ano para serem investidos no enfrentamento dos desafios sociais e ambientais do nosso tempo.
A estabilidade mundial depende de instituições mais representativas. A pluralidade de vozes funciona como vetor de equilíbrio.
O futuro será multipolar. Aceitar essa realidade pavimenta o caminho para a paz.
Também é chave na construção de uma governança que maximize as oportunidades e mitigue os riscos da Inteligência Artificial.
A resposta para a crise do multilateralismo é mais multilateralismo.
Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita.
Em 1940, o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade escreveu um poema chamado “Congresso Internacional do Medo”, que traduzia o sentimento prevalente em meio à Segunda Guerra Mundial.
Para evitar que o título desse poema volte a descrever a governança global, não podemos deixar que o medo de dialogar triunfe.
Muito obrigado, companheiros.”
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