Autismo e Alzheimer serão estudados no espaço pelo cientista Alysson Muotri

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Em entrevista ao Futuro da Saúde, Alysson Muotri, primeiro cientista brasileiro a ir à Estação Espacial Internacional, falou sobre os objetivos da missão no espaço

O professor e cientista brasileiro Alysson Muotri, líder do projeto Muotri Lab na Universidade da Califórnia em San Diego, viajará para o espaço entre o fim de 2025 e o início de 2026. O objetivo da missão é estudar a evolução de doenças neurológicas e investigar tratamentos ou possíveis curas para os estágios mais graves do transtorno do espectro autista e do Alzheimer. Em entrevista ao Futuro da Saúde, ele detalhou um pouco mais sobre os objetivos da missão.

Desde 2008, Muotri, doutor em biologia genética pela Universidade de São Paulo (USP), vive na Califórnia, onde se dedica à pesquisa do funcionamento do cérebro humano. Ele e mais quatro cientistas viajarão em uma missão da Nasa a bordo do foguete Falcon 9, da SpaceX, com destino à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). As ferramentas de pesquisa serão os organoides cerebrais, conhecidos como “minicérebros” – miniaturas funcionais do cérebro humano feitas com tecidos cultivados artificialmente.

Usando a analogia de um computador, o pesquisador explicou que os organoides cerebrais podem ser comparados ao processo de desmontar e reconstruir seus componentes para entender melhor seu funcionamento. Esses “minicérebros” simulam processos que seriam impossíveis de serem observados diretamente no cérebro humano, como os estágios iniciais do desenvolvimento cerebral. Embora ainda apresentem limitações, como a falta de vascularização completa e a conexão com outros tecidos, avanços estão sendo feitos, como a integração de elementos sensoriais, como a visão. Isso abre novas possibilidades para o estudo e compreensão mais profunda de condições neurológicas complexas, como o autismo.

Será a primeira missão tripulada do projeto em que Muotri atua, que realiza expedições não tripuladas desde 2019. As missões anteriores já tinham o objetivo de investigar os estágios iniciais do desenvolvimento cerebral e, um dos os achados mais relevantes foi que, no espaço, esses organoides amadurecem mais rapidamente devido à microgravidade. “Essa aceleração no amadurecimento das redes neurais permite que estudemos o cérebro humano em diferentes estágios de desenvolvimento”, afirma Muotri. O ex-ministro Marcos Pontes foi o primeiro astronauta do país a ir ao espaço, mas Muotri será o primeiro cientista brasileiro a realizar tal feito.

Foco da missão: autismo e Alzheimer

Estudos recentes sobre autismo têm avançado significativamente, especialmente com o uso de modelos como os organoides cerebrais. Entre as descobertas mais promissoras está a possibilidade de, nos próximos anos, desenvolver medicamentos específicos para a condição. No entanto, conforme explicou o cientista, o caminho ainda é longo. “Quando falamos de buscar tratamentos e soluções para o autismo, precisamos lembrar que ele é um espectro. Existem pessoas com o espectro que são muito mais independentes, o que chamamos de autismo leve”, explica o cientista brasileiro, que tem um filho de 18 anos com o grau mais severo da condição. O foco da missão será justamente nos estágios mais graves do transtorno do espectro autista (TEA).

Ele lembra que, atualmente, há uma série de medicamentos em fase de testes, mas os desafios incluem o tempo necessário para os ensaios clínicos, os altos custos envolvidos e a dificuldade de obter financiamento, especialmente para substâncias sem patentes ou que não atraem o interesse imediato da indústria farmacêutica. Esse processo depende frequentemente de agências governamentais ou financiadores externos.

Por isso, segundo ele, a missão será crucial para o entendimento do cérebro humano, pois permite entender os estágios iniciais do desenvolvimento de sintomas. E não apenas no contexto do autismo, mas também em outros aspectos do desenvolvimento e envelhecimento cerebral.

Experimentos anteriores mantiveram organoides cerebrais no espaço por 30 dias, o que equivale a aproximadamente dez anos de desenvolvimento em condições terrestres. Contudo, ainda não está claro se esse processo ocorre de forma linear, ou seja, se períodos mais curtos, como cinco ou dez dias, teriam um impacto proporcional. A equipe suspeita que os efeitos da microgravidade possam ser “catastróficos”, dependendo do tempo necessário para que ela comece a afetar de maneira significativa. Durante a missão, os cientistas também testarão fármacos e compostos bioativos derivados da floresta amazônica. Eles serão inseridos manualmente nos “minicérebros” para avaliar seu potencial como agentes de proteção contra o Alzheimer, por exemplo.

Preparação para ir ao espaço

A missão tripulada marca um avanço importante, mas enfrenta desafios: treinamento especializado da equipe, que inclui não apenas astronautas, mas cientistas para experimentos complexos; infraestrutura adequada para garantir a precisão dos testes em um ambiente extremo; e a necessidade de avançar com rigorosos testes, respeitando as limitações de tempo e orçamento. Embora a data ainda não esteja definida, a preparação para a missão espacial já começou e envolve, entre outras coisas, adaptar experimentos e ferramentas para o ambiente de microgravidade. “Há muitas ferramentas que precisamos reconstruir e redesenhar, adaptando-as para poderem ser executadas na estação espacial”, comenta Muotri.

O trabalho de preparação também está focado na replicação e ajuste dos experimentos, já que os testes precisam ser planejados para funcionar com as limitações da Estação Espacial Internacional, que possui menos recursos do que um laboratório terrestre. A ideia é que a equipe não precise repetir processos no espaço, garantindo precisão e eficiência.

Para o futuro, Muotri destaca o papel fundamental da inteligência artificial (IA) na aceleração das pesquisas, especialmente em seu laboratório, onde novas abordagens estão sendo exploradas. Ele apresentou o conceito de “inteligência orgânica”, que utiliza organoides cerebrais para resolver problemas e reformular os algoritmos tradicionais. Ao contrário da IA convencional, que exige treinamento com alto custo energético, os organoides cerebrais possuem um aprendizado inato, desenvolvido ao longo de milhões de anos de evolução. Para o cientista, algoritmos inspirados no funcionamento do cérebro humano substituirão os modelos tradicional, promovendo avanços mais rápidos e eficientes para desafios complexos.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

Futuro da Saúde

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