Desde 1999, Mercosul e União Europeia (UE) trabalham na construção de um acordo de livre comércio entre os dois blocos.
Agora, 25 anos depois, há grande expectativa para a assinatura do tratado durante a cúpula do Mercosul, realizada em Montevideo, na quinta (5) e sexta-feira (6).
Mas afinal de contas, o que é um acordo de livre comércio e por que este em específico é tão debatido?
Os acordos de livre comércio são tratados bilaterais firmados entre blocos e/ou países para abrir as portas aos negócios entre as partes.
Regras de origem, comércio de serviços, compras governamentais, propriedade intelectual, barreiras técnicas, defesa comercial e outros tópicos são alguns sobre os quais esses acordos abordam e buscam facilitar.
Essa modalidade é mais ampla que os acordos de preferência comercial, que promovem essa abertura no comércio de bens em menor expressividade, sem estabelecer limites mínimos ou máximos de comércio.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a assinatura do acordo pode gerar aumento de 0,46% na economia brasileira entre 2024 e 2040, além de um crescimento de 1,49% nos investimentos.
E o que é o acordo de livre comércio com a UE?
Durante a Cimeira da América Latina, Caribe e UE, realizada no Rio de Janeiro, entre junho e julho de 1999, foram lançadas as tratativas entre o Mercosul e o bloco europeu. Já no começo, a avaliação era de que as negociações seriam longas e difíceis.
A princípio, o interesse era a complementaridade que as partes tinham a oferecer entre si: enquanto o Mercosul carrega oportunidades fortes no agronegócio — principalmente por conta do Brasil —, a UE tem uma indústria mais robusta — encabeçada pela Alemanha.
“O acordo começa a ser desenhado em plena era do início da globalização. Mas o mundo e ambos os lados evoluíram, surgem novas necessidades e a dificuldade de fazer funcionar o acordo”, pontua Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM.
Com o passar dos anos, a indústria alemã não conseguiu acompanhar o ritmo e se manter competitiva contra a chinesa.
“Para a Alemanha, é uma tábua de salvação. Uma indústria envelhecida como a alemã olha para o mercado brasileiro e busca clientela”, afirma Trevisan.
“O acordo vai andar porque a indústria europeia precisa guardar mercado aqui, ela olha para a concorrência e capacidade de investimento dos Estados Unidos e da China, e percebe que não estará lá para competir com esses mercados no longo prazo”.
Enquanto isso, o agronegócio francês tornou a Europa seu principal cliente, mas não evoluiu o suficiente para se comparar ao agro brasileiro.
“O nosso agro é forte e tem condição de entrar pesado na Europa. O problema maior não é o agro brasileiro entrar na França, é o tamanho da nossa indústria alimentícia, que é mais eficiente, acabar roubando o mercado francês”, conclui o professor da ESPM.
E é por conta da complexidade do assunto que o debate se estendeu por 25 anos. Agora, na Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, a expectativa é grande para que o acordo seja anunciado.
A seguir, confira os tópicos abordados pelo acordo.
Comércio de Bens
O capítulo de bens estabelece o livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, a partir de compromissos entre as partes sobre o comércio de bens.
Temas como tratamento nacional, taxas e outros encargos sobre importações e exportações, procedimentos de licenciamento de importação e exportação, tributos incidentes sobre exportação, empresas estatais, bens reparados e outros são abordados para firmar as bases do acordo.
92% dos produtos originários do Mercosul e 95% das linhas tarifárias devem ficar livres de taxações na UE, segundo as preferências previstas no capítulo de bens. Para efeito comparativo, sem o acordo, apenas 24% das exportações que chegam na Europa são isentas de tarifas.
Já por parte do Mercosul, a previsão é liberar 91% das importações originárias da UE das cobranças.
A UE vai eliminar 100% de suas tarifas industriais em até dez anos, enquanto o Mercosul vai cortar 91% em termos de linhas tarifárias e de comércio em até 15 anos.
Já no agronegócio, a UE dará acesso preferencial ao Mercosul a praticamente todos os seus produtos agrícolas e a 97% de linhas tarifárias, enquanto os membros do bloco sul-americano darão acesso aos europeus a 98% do comércio e 96% das linhas tarifárias.
Regras de Origem
O objetivo deste tópico é garantir que os agentes econômicos dos dois lados do acordo sejam os beneficiários das preferências negociadas.
Desse modo, os diplomatas buscaram acordar mecanismos para prevenir e combater irregularidades e fraudes relacionadas à obtenção de tratamento tarifário preferencial, buscando solicitar requisitos específicos de origem para todo o universo tarifário.
Facilitação de Comércio
A fim de potencializar os benefícios do acordo, o tópico trata questões ligadas a:
- Transparência;
- Cooperação entre autoridades aduaneiras;
- Despacho de bens perecíveis;
- Decisões antecipadas;
- Trânsito aduaneiro;
- Operadores econômicos autorizados (OEA);
- Guichês únicos;
- Uso de tecnologias no despacho aduaneiro;
- Admissão temporária;
- Gestão de risco.
Pequenas e Médias Empresas
As partes buscaram também alinhar mecanismos específicos para auxiliar as micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
As medidas preveem o intercâmbio de informações e a criação de coordenadores de MPMEs, cujo objetivo será desenvolver e implementar um programa de trabalho destinado a apoiar os esforços de internacionalização dos pequenos negócios.
Serviços
Nesse sentido, foram propostas medidas para atender os agentes ligados aos quatro modos de prestação de serviços: comércio transfronteiriço, consumo no exterior, presença comercial e movimento temporário de pessoas físicas.
O objetivo dessas tratativas é evitar a discriminação de prestadores de serviços e investidores estrangeiros em favor dos nacionais, além de ampliar a transparência e a segurança jurídica para prestadores de serviços e investidores realizarem negócios.
Compras Governamentais
O objetivo de padronizar acórdãos nesse sentido é garantir maior concorrência e acesso nas licitações públicas domésticas, bem como a incorporação de padrões internacionais na área de transparência.
O acordo UE-Mercosul deve assegurar que os fornecedores de bens e serviços serão tratados como se fossem domésticos.
Propriedade Intelectual
Neste capítulo, o acordo reforça padrões internacionais nas áreas de patentes, marcas, desenho industrial e direitos autorais.
A novidade é que o tratado propõe reconhecimento mútuo de indicações geográficas, mediante prazo adequado para readequar a produção doméstica.
Empresas Estatais
As medidas não criam impedimentos. Do contrário, o acordo reconhece a natureza especial dessas empresas e busca garantir que as estatais atuem com base em considerações comerciais, permitindo que elas deixem de essa premissa sempre que necessário para cumprir seus respectivos mandatos.
Solução de Controvérsias
O dispositivo prevê medidas para auxiliar as partes na resolução de disputas comerciais, mas ainda preservando o direito de recurso aos mecanismos da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Comércio e Desenvolvimento Sustentável
O tópico reforça o compromisso das partes com as propostas da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e do Acordo de Paris.
Barreiras Técnicas ao Comércio
O capítulo prevê outras medidas que promovam iniciativas facilitadoras de comércio.
Nesse tópico, são previstos mecanismos para promover a transparência — inclusive incentivando a análise de impacto regulatório e de consultas públicas —, rotulagem e cooperação e assistência técnica entre as partes.
Automotivo
O anexo em questão prevê a aceitação de relatórios de ensaios para requisitos previstos na legislação doméstica com referência ou incorporação integral de normas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Defesa Comercial e Salvaguardas Bilaterais
A fim de garantir a regulação e proteção das partes, o acordo também abrange medidas antidumping, compensatórias e salvaguardas globais.
Neste tópico são previstos mecanismos para promover transparência nas investigações e consultas informais, em especial em casos multilaterais, havendo também disposições sobre regra do menor direito, compromissos de preços e revisões de final de período.
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