A Justiça do Trabalho em Mato Grosso condenou um frigorífico de Tangará da Serra e a empresa responsável por fornecer as refeições aos empregados a pagar R$20 mil por danos morais a uma cozinheira vítima de discriminação pela sua orientação sexual. A decisão, da 1ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, foi proferida pelo juiz Mauro Vaz Curvo, que também fixou uma indenização adicional de R$8 mil em razão das condições degradantes de trabalho.
Ficou comprovado que a cozinheira era alvo frequente de comentários ofensivos e preconceituosos por parte de colegas. Entre as frases dirigidas a ela estavam: “Você gosta de mulher porque nunca teve um homem de verdade” e “Se apertar bem, dá para um macho”. As chacotas incluíam também críticas ao seu peso e outras características físicas.
Mesmo após pedir que cessassem as brincadeiras, os episódios continuaram, deixando a trabalhadora triste e abatida. Testemunhas confirmaram o ambiente hostil e a prática reiterada de discriminação. “A continuidade das ofensas, mesmo após os pedidos da trabalhadora para que cessassem, demonstra o descaso dos ofensores e reforça o caráter discriminatório das condutas relatadas”, destacou o magistrado.
O juiz ressaltou que cabe ao empregador zelar pela integridade física e psicológica dos trabalhadores, cabendo a ele tomar todas as medidas que estão ao seu alcance para preservar a higidez do meio ambiente de trabalho, conforme previsto na Constituição Federal e na Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Ele também mencionou ainda a Convenção 190 da OIT, que entrou em vigor no âmbito internacional em 2021, como o primeiro tratado internacional voltado à prevenção da violência e assédio no trabalho. Embora ainda não tenha sido ratificada pelo Brasil, a convenção é citada pelo Conselho Nacional de Justiça no “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”, que reconhece o direito de todas as pessoas a um ambiente laboral livre de violência e assédio.
O juiz concluiu que as empresas não tomaram medidas preventivas ou punitivas para coibir a discriminação e, com base no artigo 932 do Código Civil, responsabilizou a empresa terceirizada e o frigorífico pelos danos à trabalhadora.
O valor de R$20 mil foi fixado levando em conta a gravidade das ofensas, o impacto à trabalhadora e o caráter pedagógico da medida, visando desestimular práticas discriminatórias no ambiente de trabalho.
Condições inadequadas
Além da discriminação, a cozinheira também enfrentava condições inadequadas de trabalho. Responsável por preparar refeições para cerca de 800 pessoas diariamente, ela lidava com alimentos em más condições, conforme confirmado por testemunhas. Os alimentos frequentemente apresentavam mau cheiro, coloração anormal e sabor impróprio, sendo descritos como impróprios para consumo.
Os comentários depreciativos eram quase diários, causando constrangimento à trabalhadora. Ela lamentava a situação e ressaltava que apenas seguia ordens da empresa. “Essa situação gerava constrangimento, pois a trabalhadora, apesar de seguir as determinações impostas pela empresa, enfrentava diretamente o descontentamento e as reclamações, sentindo-se desvalorizada e humilhada”, frisou o juiz.
De acordo com o magistrado, a exposição constante a críticas ofensivas e a ausência de condições dignas de trabalho feriram a dignidade da cozinheira. Por esse motivo, foi determinada uma indenização adicional de R$8 mil pelas condições degradantes a que a trabalhadora tinha que se sujeitar.
Rescisão indireta
A sentença também declarou nulo o pedido de demissão feito pela trabalhadora, convertendo-o em rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no artigo 483 da CLT. A rescisão indireta ocorre quando o empregador comete falta grave que inviabiliza a continuidade do vínculo empregatício.
No entendimento do juiz, o assédio moral e a discriminação por orientação sexual configuraram grave descumprimento das obrigações do empregador, violando direitos fundamentais da empregada, como o respeito à dignidade e a garantia de um ambiente de trabalho saudável e livre de discriminação. “Diante da gravidade dos fatos relacionados à discriminação por orientação sexual, torna-se inviável exigir que a reclamante permanecesse no emprego como condição para pleitear em juízo a rescisão indireta. Tal exigência configuraria a continuidade da exposição a um ambiente de trabalho hostil, comprometendo sua dignidade e intensificando os prejuízos já sofridos”, destacou o magistrado.
Como consequência, as empresas terão de pagar as verbas rescisórias, incluindo aviso prévio, 13º salário, férias e FGTS com multa de 40%. A trabalhadora também terá direito a receber as guias para saque do FGTS e para a habilitação no seguro-desemprego.
Por fim, o juiz determinou o envio de ofícios ao Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Estadual e Ministério do Trabalho e Emprego após constatar irregularidades trabalhistas e suspeita de crime de homofobia contra a trabalhadora.