A China iniciará uma investigação sobre as importações de carne bovina, informou o Ministério do Comércio nesta sexta-feira (27), uma vez que o maior importador e consumidor de carne do mundo está enfrentando um mercado com excesso de oferta que levou os preços domésticos a mínimas de vários anos.
Qualquer medida comercial para tentar reduzir as importações de carne bovina atingiria os maiores fornecedores da China, como Brasil, Argentina e Austrália.
Mas isso, caso venha a acontecer, não é algo que possa ser esperado no curto prazo, na avaliação da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que representa empresas como JBS, Marfrig e Minerva, que atuam no Brasil e outros países, incluindo os Estados Unidos.
A investigação chinesa vai se concentrar em importações entre 1º de janeiro de 2019 e 30 de junho de 2024, disse o ministério em um comunicado, acrescentando que isso foi feito após uma solicitação da Associação de Criação de Animais da China e outros grupos do setor pecuário.
Para o presidente da Abiec, Roberto Perosa, nada muda no momento para a exportações do Brasil, maior exportador global de carne bovina e o principal fornecedor da China, ofertando cerca de metade do que o país asiático importa.
“É um negócio para longo prazo, para daqui a um ano ter uma decisão (da investigação), porque o documento fala em oito meses (de investigação) renováveis. Não dá tempo de fazer um estudo desses em oito meses, com todas as informações que pediram”, afirmou Perosa, à Reuters.
“Então não muda nada hoje, continua do mesmo jeito”, destacou, dizendo que, por conta disso, o movimento chinês não deve impactar preço da carne ou da arroba do boi.
“O comércio de carne bovina com o país asiático, portanto, prossegue normalmente”, acrescentou em nota a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), outra entidade do setor.
As importações totais de carne bovina da China atingiram US$ 14,2 bilhões em 2023, um aumento em relação aos US$ 8,2 bilhões de 2019, segundo dados alfandegários.
O Brasil foi responsável por 42% do valor total do comércio, seguido pela Argentina, com 15%, e pela Austrália, com 12%.
De janeiro a novembro de 2024, o Brasil exportou 1,21 milhão de toneladas de carne bovina para a China, com alta de 11% na comparação anual, segundo dados divulgados no início do mês pela Abrafrigo.
O país asiático respondeu por pouco mais de 40% das exportações brasileiras do produto.
Perosa, da Abiec, explicou que o mercado de carne bovina na China gira em torno de 12 milhões de toneladas, enquanto as importações de todos os países somam 2,5 milhões de toneladas ao ano, com o Brasil ofertando cerca de 50% do total importado.
“Acho que é ação para atender demandas de produtores internos da China, porque a China não tem capacidade de produção para o que ela consome hoje. E, se aumentar o consumo, aí que ela não vai ter condições mesmo”, disse.
Entre as possíveis consequências da investigação, ele citou a imposição de uma cota e uma tarifa maior para o que extrapolar o volume intracota.
“O pode acontecer é algo que aconteceu com a Austrália, depois de um ano eles disseram que teria uma cota, e acima dessa cota aumentava a tarifa”, afirmou o presidente da Abiec.
Hoje a carne importada pelo Brasil já paga uma tarifa de 12%.
“Pode ser que depois de uma cota de 1 milhão de toneladas, acima disso viraria uma tarifa de 20%”, exemplificou hipoteticamente.
Perosa buscou tranquilizar o mercado dizendo que a investigação não tem qualquer relação com dumping — que poderia ter eventualmente uma consequência mais severa –, mas sim com salvaguarda.
“É uma coisa tranquila, é um direito do país de avaliar isso, mas a gente quer cooperar”, disse ele.
Questionado se o processo pode interferir em novas habilitações de frigoríficos do Brasil para exportação, ele disse que não.
“Não muda nada, é uma coisa diferente da outra.”
A investigação não é direcionada a países ou regiões específicos, não distingue a origem dos produtos e não afetará o comércio normal enquanto estiver em andamento, destacou o Ministério do Comércio chinês.
“É muito cedo para assumir qualquer impacto relevante para o país”, disse o Itaú BBA em relatório, citando que o poder de barganha da China no setor parece estar se enfraquecendo um pouco, à medida que a produção chinesa de gado diminui, e o Brasil vem exportando cada vez mais aos Estados Unidos.
Cooperação
Em nota, o governo brasileiro afirmou que buscará, em conjunto com o setor exportador, “demonstrar que a carne bovina brasileira exportada à China não causa qualquer tipo de prejuízo à indústria chinesa, sendo, pelo contrário, importante fator de complementariedade da produção local chinesa”.
O governo brasileiro ressaltou que “não há, em princípio, a adoção de qualquer medida preliminar, permanecendo vigente a tarifa de 12% “ad valorem” que a China aplica sobre as importações de carne bovina.
A exportação de carne bovina do Brasil está em patamares recordes neste ano, com os embarques totais caminhando para superar 3 milhões de toneladas, segundo dados oficiais citados pela Abrafrigo, que apontou aumento de mais de 30% de janeiro a novembro.
As receitas geradas com os embarques brasileiros para todos os destinos já superaram US$ 12 bilhões, alta de mais de 23%, enquanto a China importou equivalente a mais de 5,4 bilhões de dólares no ano até novembro (+3,4%).
Otimização
Os produtores chineses que pediram a investigação disseram que um aumento acentuado nos volumes de importação durante o período havia “prejudicado seriamente” a indústria doméstica da China, segundo o ministério.
As importações de carne bovina em 2023 pela China foram quase 65% maiores do que em 2019, de acordo com dados da alfândega, e as importações no primeiro semestre de 2024 foram mais do que o dobro das do primeiro semestre de 2019.
Os preços das carnes na China, incluindo carne suína, bovina e de aves, caíram à medida que os consumidores, lutando contra uma economia em desaceleração, compram menos.
“A maioria das fazendas de gado de corte na China está em situação de prejuízo”, disse a Associação de Criação de Animais da China em um relatório da mídia estatal.
O preço da carne bovina caiu para o nível mais baixo dos últimos cinco anos, e o preço do gado vivo caiu para o nível mais baixo dos últimos 10 anos, disse a associação.
Os preços médios da carne bovina no atacado caíram 22%, para 59,82 iuanes (US$ 8,20) o quilo no final de dezembro, de 77,18 iuanes há dois anos, segundo dados do Ministério da Agricultura.
Em junho, Pequim procurou conter os preços pedindo aos fazendeiros que limitassem e otimizassem o tamanho de seus rebanhos de gado bovino, mas os preços continuam em declínio em meio a um aumento nas importações, principalmente da Argentina.
As importações de carne bovina do produtor sul-americano durante os primeiros 11 meses de 2024 aumentaram 10% em relação ao mesmo período de 2023, para 533.005 toneladas métricas.
“O setor reflete que as importações excessivas de carne bovina causaram danos substanciais à indústria de gado de corte do meu país”, disse a China Animal Husbandry Association no relatório.
“O setor pede veementemente que o país tome medidas de controle sobre a carne bovina importada para proteger os meios de subsistência dos fazendeiros e a segurança do setor”, afirmou.
A China também está considerando restrições comerciais às importações de produtos lácteos e suínos da União Europeia, embora, nesses casos, a investigação antidumping e antissubsídios seja uma resposta contra o plano tarifário do bloco para veículos elétricos fabricados na China, segundo analistas.
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