Dois estudos dinamarqueses, realizados por pesquisadores da University of Southern Denmark (SDU), mostraram que pessoas que tratam diabetes tipo 2 com Ozempic têm um risco aumentado de desenvolver danos ao nervo óptico do olho, podendo levar à perda grave e permanente da visão. Um dos trabalhos foi publicado em dezembro no International Journal of Retina and Vitreous e o outro está sendo revisado por pares.
Os novos trabalhos reforçam uma preocupação já apontada por um estudo anterior, publicado em julho de 2024. No trabalho americano, foi observado que o Ozempic, medicamento para tratamento do diabetes tipo 2 desenvolvido pela Novo Nordisk, pode mais que dobrar o risco de uma doença rara chamada NAOIN (neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica, na sigla em inglês), que causa danos ao nervo óptico.
Pesquisadores dinamarqueses validaram a hipótese do estudo americano na Dinamarca, onde o medicamento é usado por 106.454 pacientes no tratamento de diabetes tipo 2. Eles examinaram os dados desses usuários e descobriram que o número de casos de NAION aumentou desde que o Ozempic chegou ao mercado, em 2018.
“Enquanto costumávamos ver entre 60 e 70 casos de NAION por ano, agora estamos vendo até 150. Além disso, notamos que os pacientes que chegam ao hospital devido à NAION são mais frequentemente pacientes com diabetes tipo 2”, afirma Jakob Grauslund, líder do estudo, em comunicado à imprensa.
O que é NAION?
NAION é uma condição irreversível caracterizada pelo dano ao nervo óptico do olho, que pode levar à perda de visão grave e permanente. Ela é causada pelo corte repentino do suprimento de sangue para o nervo óptico, resultando na perda da acuidade visual (visão nítida) ou redução significativa no campo de visão.
Entre os fatores de risco para o desenvolvimento da doença estão o diabetes, a pressão alta e o colesterol alto. O tabagismo também pode aumentar as chances de desenvolver a doença, de acordo com o Brigham and Women’s Hospital.
Como o estudo foi feito?
Em um dos estudos, os pesquisadores dividiram os pacientes em dois grupos: aqueles tratados com Ozempic e aqueles que receberam outro tratamento para diabetes tipo 2.
Neste trabalho, eles descobriram que o risco de desenvolver NAION é dobrado em pacientes tratados com Ozempic. Nas análises estatísticas, fatores como idade, gênero, açúcar no sangue e uma ampla gama de outras condições também foram levados em consideração.
Na segunda pesquisa, pesquisadores examinaram uma amostra menor, mas mais específica, de pacientes com diabetes tipo 2. Eles compararam novos usuários de Ozempic com usuários de outro medicamento usado para a mesma doença. Isso garante uma comparação mais uniforme entre os pacientes.
“Em colaboração com o Instituto Norueguês de Saúde Pública, nós observamos todos os pacientes dinamarqueses e noruegueses com diabetes que começaram o tratamento com Ozempic e os comparamos com pessoas que começaram o tratamento com outro medicamento. Como foi o caso de Jakob Grauslund [líder do primeiro estudo], nós descobrimos que o risco de desenvolver NAION dobra se você tomar Ozempic”, explica Anton Pottegård, Professor de Farmacêutica no Departamento de Saúde Pública.
Ambas as pesquisas indicam que o risco de NAION se aplica a todos os pacientes com diabetes tipo 2 que fizeram uso de Ozempic, independentemente da gravidade da doença.
“Felizmente, de acordo com nosso estudo, o número de pessoas afetadas é menor do que o encontrado no estudo americano, mas o número de casos de NAION entre as pessoas que estão recebendo Ozempic ainda dobrou”, afirma Grauslund.
“O estudo americano propõe uma hipótese sobre uma possível associação, por isso era importante investigar se ela poderia ser confirmada em estudos de acompanhamento com melhores fontes de dados – fontes de dados como as que temos acesso na região nórdica”, completa Pottegård.
Pesquisadores não recomendam interromper o tratamento com Ozempic
Apesar dos resultados dos estudos, os pesquisadores não possuem a intenção de incentivar a interrupção do tratamento do diabetes tipo 2 com Ozempic.
“Este é um efeito colateral sério, mas muito raro. Muitas vezes, só ficamos sabendo desse tipo de coisa depois que um novo medicamento está no mercado há alguns anos, como no Ozempic. Deve ser enfatizado que não é nem mais sério, nem mais comum do que os efeitos colaterais raros de muitos outros medicamentos que continuamos a usar. É, por assim dizer, apenas uma nova peça do quebra-cabeça de entender como esse medicamento funciona”, ressalta Anton Pottegård.
Os pesquisadores esperam que os resultados do estudo possam ser usados por médicos e pacientes para discutir os prós e os contras do tratamento feito com Ozempic.
O que a Novo Nordisk diz
Em nota enviada à CNN, a Novo Nordisk afirma que, após uma avaliação detalhada dos estudos e da análise interna de segurança da empresa, a farmacêutica “mantém a opinião de que o perfil benefício-risco da semaglutida [princípio ativo do Ozempic, assim como do Wegovy e do Rybelsus] permanece inalterado”.
“Embora ambos os estudos tenham mostrado um aumento aproximado do risco relativo, o risco absoluto e o número absoluto de pessoas afetadas são muito baixos. Isso está de acordo com a incidência anual muito baixa desse distúrbio raro. Um dos estudos encontrou que 2 pessoas a cada 10.000 pacientes tratados com semaglutida por ano desenvolveram NAION, em comparação com 1 a cada 10.000 no grupo de controle, concluindo que o risco absoluto é muito baixo. Os estudos não demonstraram uma relação causal entre a semaglutida e a NAION”, afirma a nota.
A farmacêutica afirma, ainda, que realizou uma análise em ensaios clínicos randomizados e controlados com agonistas do receptor GLP-1 [classe da semaglutida], incluindo uma avaliação por oftalmologista independente, para confirmar os diagnósticos de NAION. “Através dessa análise, foram identificados pouquíssimos casos confirmados de NAION, sem desequilíbrio que desfavorecesse os agonistas do receptor GLP-1 da Novo Nordisk”, diz.
“A segurança dos pacientes é uma prioridade máxima para a Novo Nordisk, e levamos muito a sério todos os relatos de eventos adversos relacionados ao uso de nossos medicamentos. Isso também se aplica a condições oculares, que são comorbidades bem conhecidas em pessoas com diabetes. Qualquer decisão de iniciar um tratamento com medicamentos de prescrição deve ser feita em consulta com um profissional de saúde, que deve realizar uma avaliação de risco-benefício para o paciente, ponderando os benefícios do tratamento com os riscos potenciais”, ressalta a empresa.
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