A inteligência artificial (IA) tem promovido grandes avanços nos cuidados de saúde em diversas áreas. Desde a precisão diagnóstica até o suporte a tratamentos personalizados, passando pela automação de tarefas administrativas e o empoderamento dos pacientes na tomada de decisões, a IA vem se integrando rapidamente aos fluxos de trabalho do setor.
Esses avanços não apenas aliviam a carga dos profissionais de saúde, mas também ampliam o acesso a tecnologias inovadoras, beneficiando tanto especialistas quanto o público em geral.
O termo IA engloba diversas tecnologias, incluindo o aprendizado de máquina (machine learning, ML), que utiliza algoritmos e modelos estatísticos para aprender e se adaptar com base em dados. O aprendizado profundo (deep learning), uma subárea do ML, refina modelos pré-treinados para realizar tarefas complexas, como reconhecimento de imagens e fala.
Além disso, a IA generativa cria novos conteúdos por meio de modelos gerativos, como ferramentas de produção de texto. Grandes modelos de linguagem (Large Language Models, LLMs), como o ChatGPT, representam um marco significativo, gerando textos inéditos e similares aos produzidos por humanos a partir de grandes volumes de dados.
O aprendizado de máquina pode ser descrito como uma abordagem matemática para o reconhecimento de padrões, como a regressão, que aprimora sua precisão conforme mais dados são processados. Entre as técnicas comuns estão árvores de decisão, gradient boosting e redes neurais. Estas últimas formam a base do aprendizado profundo, que utiliza múltiplas camadas de reconhecimento de padrões para analisar dados complexos, como imagens médicas.
Um marco no aprendizado profundo foi o desenvolvimento das redes neurais convolucionais, entre 2010 e 2012, permitindo uma classificação detalhada de imagens. Essa tecnologia impulsionou avanços como a análise de radiografias de tórax para prever riscos cardiovasculares, ampliando o uso de exames de rotina para novas aplicações.
IA generativa na prática médica
A IA generativa cria conteúdos inéditos, como imagens ou textos, por meio de refinamento iterativo a partir de comandos específicos. Apesar de promissora, apresenta limitações, incluindo a possibilidade de gerar resultados imprecisos ou fictícios, conhecidos como “alucinações”.
Na saúde, a IA generativa já demonstra utilidade em diversas áreas:
- Radiologia: análise de exames como radiografias, ultrassom, tomografias computadorizadas (TC) e ressonâncias magnéticas (RM) para detectar anormalidades.
- Patologia: identificação de padrões em lâminas histopatológicas para diagnósticos, como câncer.
- Detecção Precoce: avaliação de dados clínicos para identificar sinais iniciais de doenças, como diabetes, doenças cardiovasculares, insuficiência respiratória e câncer.
- Prontuários: automatização do registro médico, com geração de notas clínicas e resumos.
- Automação de Fluxo de Trabalho: redução de tarefas administrativas, como agendamentos, faturamento e documentações.
- Tarefas Repetitivas: otimização do tempo dos profissionais de saúde, permitindo que se concentrem em cuidados diretos ao paciente.
- Descoberta de Novas Drogas: identificação de alvos biológicos (como proteínas ou genes) e criação de novas moléculas.
- Pesquisa Clínica: planejamento e monitoramento de estudos clínicos, análise de dados e automatização de tarefas administrativas relacionadas.
Outras aplicações incluem cirurgia robótica, monitoramento por dispositivos vestíveis (wearables), saúde mental, telemedicina, educação médica e combate a epidemias.
Na hematologia, a IA auxilia na análise de lâminas digitais preparadas a partir de coletas de sangue ou medula óssea, identificando células normais e anomalias, como células leucêmicas ou alterações nos glóbulos vermelhos. Essas ferramentas fornecem suporte para decisões clínicas, sugerindo possíveis diagnósticos ou destacando áreas de interesse em lâminas para revisão pelo hematologista. Além disso, sistemas baseados em IA classificam cromossomos na citogenética e identificam padrões em citometria de fluxo, contribuindo para a classificação de subtipos de doenças, como leucemias e linfomas, com maior rapidez e precisão.
Embora promissora, a implementação da IA exige rigor para garantir precisão e confiabilidade. A possibilidade de “alucinações” preocupa profissionais e instituições, tornando essencial a supervisão humana, além de regulação e controle dessas tecnologias.
Construindo a confiança dos pacientes na IA
Pacientes expressam preocupações quanto ao uso da IA, como erros diagnósticos, privacidade de dados e redução da interação humana. Para superar essas barreiras, é crucial reforçar que a IA é uma ferramenta de apoio, e não um substituto, no processo clínico. Exemplos práticos, como sistemas que verificam interações medicamentosas ou agilizam o atendimento em emergências, demonstram seus benefícios diretos.
Garantir que os profissionais de saúde continuem no centro das decisões clínicas é vital para preservar a relação humana na medicina e tranquilizar os pacientes. Além disso, o monitoramento rigoroso do desenvolvimento de modelos de IA – desde a coleta de dados até sua aplicação – é fundamental para garantir que sejam éticos, representativos e seguros. Embora a IA possa revolucionar diagnósticos e tratamentos, enfrenta desafios como privacidade, viés algorítmico e falta de transparência.
Conclusão
A IA representa uma oportunidade transformadora na saúde, mas sua integração deve ser orientada pela transparência, ética e foco no paciente. Como ferramenta de suporte, ela amplia o potencial inovador dos profissionais de saúde, preservando a empatia e o cuidado humano que são essenciais à prática médica.
*Texto escrito pelo hematologista Phillip Scheinberg (CRM – 87.226), chefe da Hematologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e membro do Brazil Health