A ADPF 635, que ficou conhecida como “ADPF das Favelas”, teve o julgamento retomado e suspenso nesta semana no Supremo Tribunal Federal (STF). O tema provoca discussão: de um lado, autoridades que questionam a competência da Suprema Corte e possíveis retaliações em operações policiais e, de outro, especialistas apontam que não há restrições para operações policiais.
A ação questiona a violência policial em operações nas comunidades do Rio de Janeiro e busca estabelecer diretrizes para reduzir a letalidade policial. A suspensão do julgamento foi determinada pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que os demais magistrados tenham mais tempo para analisar as propostas antes da retomada do julgamento, prevista para as próximas semanas.
Em seu voto, o ministro Fachin apontou que a segurança pública no Rio de Janeiro se encontra em um “estado de coisas inconstitucional”, caracterizado por violações sistemáticas de direitos fundamentais.
Para enfrentar esse cenário, o magistrado sugeriu uma série de medidas, incluindo maior controle sobre a letalidade das operações, maior transparência na divulgação de dados sobre mortes decorrentes de ações policiais e a implementação de um programa de suporte psicológico para policiais, além da restrição do uso de helicópteros em incursões. Caso o entendimento do relator prevaleça, as mudanças podem impactar significativamente a política de segurança pública no estado.
Na avaliação do procurador Renato Ramalho, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e advogado com atuação perante o STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ADPF das Favelas é um marco e não restringe operações, mas sim define o básico e obviedades que as polícias têm que seguir.
“Estou de acordo que o STF não deveria ser acionado para julgar esse caso. Não por extrapolar suas atribuições. Cabe ao STF a defesa da Constituição, inclusive diante de reiteradas condutas das gestões estaduais que afrontam garantias fundamentais dos cidadãos”, aponta o especialista.
Segundo Ramalho, é de “se lamentar que seja necessário que nossa Suprema Corte seja acionada nesse caso e seja obrigada a dizer o óbvio: não se combate o crime por meio da prática de outros crimes”.
“É isso que está em jogo. Nem o autor da ação, o PSB, nem o relator, ministro Fachin, defendem qualquer abrandamento do combate ao crime organizado”, completa.
O advogado também explicou à CNN que o STF está sendo obrigado a se manifestar porque normas da Constituição, da legislação, e protocolos básicos aplicáveis às forças da segurança têm sido histórica e sucessivamente descumpridas nas operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro
Sobre o voto do ministro Fachin e a suspensão do julgamento, o especialista pondera: “não foi um pedido de vista individual”. Segundo ele, trata-se do “reconhecimento de que o voto traz pontos que merecem ser analisados e compreendidos com cautela por todo o colegiado durante as próximas semanas”.
Já o advogado criminalista Berlinque Cantelmo, presidente da Comissão de Direito Militar e Segurança Pública da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG), aponta que as diretrizes sugeridas por Fachin são positivas.
“Se aprovadas, essas diretrizes podem contribuir para a redução da letalidade policial e aumentar a transparência nas operações de segurança. A obrigatoriedade de divulgar dados detalhados sobre mortes e ações policiais pode fortalecer a fiscalização pública e institucional, evitando abusos e garantindo mais accountability”, diz.
O especialista também aponta que a implementação de um programa de suporte psicológico para os agentes pode melhorar as condições de trabalho e reduzir os impactos do estresse operacional.
No entanto, algumas medidas enfrentam críticas. Especialistas argumentam que um controle excessivo sobre as operações policiais pode gerar insegurança jurídica e dificultar o combate ao crime organizado.
“A limitação do uso de helicópteros, por exemplo, pode restringir a mobilidade das forças de segurança em operações de alto risco. Além disso, a implementação dessas mudanças pode ser desafiadora, considerando a fragilidade da estrutura de monitoramento e fiscalização da atuação policial”, aponta Cantelmo.
“O julgamento da ADPF das Favelas é um marco na discussão sobre segurança pública e direitos humanos no Brasil. Caso as propostas do ministro Fachin sejam adotadas, o país poderá avançar em um modelo de policiamento mais transparente e menos letal.”
Por outro lado, o especialista avalia que “a efetividade dessas medidas dependerá não apenas da decisão do STF, mas também do compromisso dos governos estadual e federal em promover mudanças estruturais. “O desfecho do julgamento ainda é incerto, mas o debate já evidencia a necessidade de equilibrar o combate ao crime com a proteção dos direitos fundamentais da população.”
Na sessão do julgamento, o ministro Flávio Dino declarou que “é absolutamente falso que uma polícia que mata mais é mais eficiente”.
Além de Dino, o ministro Alexandre de Moraes também apresentou comentários sobre a questão. Para Moraes, é preciso disponibilizar “o armamento mais pesado possível que a polícia tenha” para combater as milícias e o tráfico de drogas.
“É impossível que daqui nós insinuemos à polícia que ela possa ingressar em operação contra o tráfico de drogas em que haja outra possibilidade sem armas letais”, disse.
A retomada do julgamento está prevista para daqui a três semanas.