Enquanto avança rapidamente em múltiplos setores da economia, a inteligência artificial deixa um rastro de incerteza sobre o impacto no mercado de trabalho.
A tecnologia eliminará vagas de emprego? A resposta é complexa e provavelmente afirmativa, mas economistas e líderes políticos propõem evoluir o debate a uma nova fase, que busque soluções para garantir que os benefícios sejam distribuídos de maneira equânime entre toda a cadeia social.
Nos corredores da Global Labor Market Conference (GLMC), que aconteceu na semana passada em Riad, na Arábia Saudita, termos como “upskilling” e “reskilling” se sobrepuseram à discussão sobre quais postos de trabalho desaparecerão no futuro (leia abaixo).
A ideia central é a de que governos e o setor privado devem trabalhar juntos para investir no treinamento das habilidades que serão mais demandadas nesta nova revolução digital.
O glossário do novo mercado de trabalho
- Upskilling: aperfeiçoamento de habilidades já desenvolvidas na função atual do trabalhador, sem a necessidade de uma guinada brusca na carreira.
- Reskilling: treinamento em novas habilidades para substituir aquelas já existentes. O objetivo é capacitar o trabalhador para funções novas que serão demandas no futuro.
- Foreverskilling: termo introduzido durante a Global Labor Market Conference, refere-se à ideia de desenvolver um treinamento adaptável que prepare o trabalhador para qualquer tipo de demanda que eventualmente surja no futuro do mercado de trabalho
“Não acho que haja uma receita clara para isso, mas precisamos começar uma conversa sobre como tornar a IA amigável ao trabalhador, como tornar as pessoas mais produtivas, ao invés desse foco obsessivo em substituir as pessoas por máquinas”, defendeu o professor James Robinson, da Universidade de Chicago.
Robinson foi vencedor do Nobel de Economia do ano passado com um trabalho sobre a prosperidade das nações, em conjunto com os professores Simon Johnson e Daron Acemoglu, ambos da Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Na palestra mais disputada do evento, o economista e cientista político projetou que a IA transformará a economia ainda mais rapidamente do que a Revolução Industrial do século XVII.
A cada nova evolução tecnológica, a disseminação ocorre de forma mais veloz que os estágios anteriores. O Twitter (hoje X) demorou quase 2 anos para alcançar a marca de 1 milhão de usuários. “Já o ChatGPT demorou alguns dias”, compara Robinson.
O ritmo das transformações é a principal fonte de angústia de trabalhadores no mundo todo, conforme mostrou pesquisa conduzida pelos organizadores da conferência e amplamente discutida na ocasião.
Entre os 14 mil participantes da força de trabalho consultados pelo estudo, as mudanças tecnológicas foram citadas como fator mais importante para definir estratégias de qualificação profissional.
Desafios antigos
A pesquisa, porém, mostrou que a nova era tecnológica esbarra em problemas econômicos antigos. Boa parte dos participantes citaram limitações financeiras como obstáculos para obter a formação tecnológica necessária, principalmente no Brasil, Jordânia, Nigéria, África do Sul e Vietnã.
A disparidade reflete, em parte, a renda disponível menor nessas economias que em locais como Estados Unidos e União Europeia, onde a questão do acesso financeiro apareceu com menor relevância no estudo.
Para contornar esses desafios, será necessário adotar uma estratégia robusta que envolverá diferentes entes da sociedade, disse ao Broadcast o ex-ministro do Trabalho da Itália Enrico Giovannini.
“A única maneira de tentar reduzir não apenas o desemprego, mas também as desigualdades é a partir de políticas sociais e econômicas que não deixem nenhum grupo para trás, com base na Agenda 2030 da ONU”, defendeu, em conversa às margens da conferência em Riad.
Professor na Universidade de Roma, Giovannini argumenta que as autoridades deveriam pensar em programas que redirecionem a força de trabalho para as necessidades do futuro. Iniciativas podem, por exemplo, preparar trabalhadores para adaptar as cidades à realidade das mudanças climáticas.
Mas o ex-ministro também acredita que será preciso avaliar o cenário com base em novas métricas, para além de indicadores econômicos clássicos. “Senão, estaremos olhando apenas para a aceleração do carro sem observar o aumento da temperatura do motor e outras coisas”, afirmou.
Na mesma linha, o Diretor do Instituto de Pesquisa de Emprego da Universidade de Warwick, Christopher Warhurst, ressaltou que, sozinha, a IA não será capaz de produzir os ganhos de produtividade esperado.
Será necessário, sobretudo, engajamento humano. “Para que novas tecnologias entreguem os ganhos de produtividade, elas precisam ser adequadamente geridas, com trabalhadores envolvidos na introdução, uso e distribuição”, defendeu, também durante a GLMC.
*O repórter viajou a convite da Global Labor Market Conference
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