O juiz do Juizado Especial da Fazenda Pública de Barra do Garças, Fernando da Fonseca Melo, utilizou o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero ao analisar uma ação movida por uma cuidadora de animais contra o município. A medida, prevista na Resolução 492 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi adotada após o magistrado identificar indícios de violência institucional praticada pela Procuradoria-Geral do Município contra a autora do processo, que buscava apoio da administração municipal para continuar cuidando de animais abandonados.
Na decisão, o magistrado indeferiu um pedido de homologação de um termo aditivo ao acordo firmado entre a cuidadora e o município e aplicou uma multa de 9% do valor da causa à administração municipal por má-fé processual.
Entenda o caso
A autora do processo é uma das várias voluntárias que resgatam e cuidam de cães e gatos em situação de abandono e maus-tratos em Barra do Garças. Ela presta assistência sozinha a mais de 370 gatos que vivem nas ruas da cidade.
Diante das dificuldades financeiras e do impacto em sua saúde física e emocional, a cuidadora procurou o Juizado Ambiental (Juvam) de Barra do Garças, que desenvolve ações para proteção dos animais. Na secretaria da unidade judiciária, formalizou um pedido para que o município assumisse parte da responsabilidade pelo cuidado dos animais, especialmente no fornecimento de alimentação.
Ao ser notificado sobre a ação, o procurador do município propôs um acordo extrajudicial, comprometendo-se a fornecer alimentação diária, água, medicamentos, vacinas e vermífugos. O acordo foi homologado pelo magistrado.
No entanto, a cuidadora relatou que o município não cumpriu o compromisso, limitando-se a repassar R$ 5 mil na data da assinatura do acordo. Ao ser intimado a comprovar o cumprimento do termo, o procurador municipal convocou a autora para uma nova reunião, na qual ela foi induzida a aceitar um termo aditivo que reduzia as obrigações do município para o fornecimento de apenas 18 sacos de ração, uma única vez, pois o processo já estava encerrado, o que era de plena ciência do procurador, com isto, a cuidadora voltaria a cuidar sozinha dos animais.
Aplicação da perspectiva de gênero
Ao constatar que a autora estava sendo manipulada, o juiz aplicou o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. Segundo ele, a cuidadora deveria ser tratada com respeito e dignidade, principalmente por estar desempenhando uma função que caberia ao município. O magistrado destacou que a autora se encontrava em uma situação de fragilidade financeira e emocional e que as ações do município demonstravam deslealdade e falta de compromisso ético.
A decisão enfatizou que a vulnerabilidade da autora, a ausência de assistência jurídica ao assinar o termo aditivo e as manobras utilizadas pelo município justificavam a aplicação do protocolo de gênero. O objetivo era garantir equilíbrio entre as partes e protegê-la da violência institucional.
Decisão e penalidades
O juiz invalidou o termo aditivo e manteve o acordo original, condenando o município por má-fé processual. A administração municipal foi multada em 9% do valor da causa.
A decisão apontou que o município tentou burlar o cumprimento do acordo e prestou informações falsas ao processo, alegando ter fornecido rações para os animais em janeiro. No entanto, foi comprovado que apenas um saco de ração foi entregue no período. O magistrado destacou que a conduta da administração municipal configura má-fé processual, conforme os artigos 79 e 80, incisos II e III, do Código de Processo Civil (CPC).
Além disso, o juiz determinou que as ações do procurador municipal sejam investigadas pela Câmara de Vereadores, pela subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Ministério Público.