Pressionado pela baixa popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo decidiu, pela segunda vez em uma semana, se reunir com representantes de empresas para buscar apoio para conter a inflação alimentar. O movimento ocorre depois que a questão acabou se tornando um jogo de “empurra” entre indústrias e varejo nos últimos dias, sem definição de ações mais palpáveis, após reuniões de ministros com líderes setoriais na semana passada, como antecipou ontem o site do Valor.
Está prevista para esta quinta-feira (6) uma nova rodada de conversas do governo federal com associações de frigoríficos, da indústria de açúcar e álcool, de óleos vegetais, biodiesel, além do comércio e do atacado. Essa agenda foi alinhada de “última hora”, no fim da tarde de ontem, dizem fontes.
São cerca de 30 representantes de governo e dos setores confirmados para a reunião, a primeira com toda a cadeia de produção e de distribuição desde a escalada dos preços de alimentos. “Eles [governo] querem ações rápidas, isso está claro, precisam de medidas que gerem efeito político positivo”, diz o executivo de uma atacadista.
Na quinta-feira passada (27), o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, estiveram reunidos com esses mesmos setores produtivos com quem se reunirão hoje. Horas depois, Fávaro esteve com líderes supermercadistas e de atacado, numa conversa que avançou pela noite, sem grandes avanços.
Os pedidos de encontro pelo governo na semana passada aconteceram no mesmo dia da publicação da pesquisa de Genial/Quaest que mostra que Lula venceria Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições apenas na Bahia e em Pernambuco.
Cerca de 30 representantes do governo e de empresas vão participar das discussões
Jogo de empurra
Na ocasião, lideranças de associações da indústria e do varejo foram questionadas sobre repasses de recuo de preços de certos alimentos ao mercado, e afirmaram junto a ministros que não são os culpados pelos preços altos. As reuniões com os segmentos ocorreram separadamente.
“Cada um jogou a batata quente no colo do outro, mas, no fundo, todos ali sabem que o problema é do governo, que precisa cortar gastos e retomar a confiança do mercado e da população, e não das empresas, mas isso não foi tratado lá [nos encontros]”, diz uma pessoa a par do tema.
Para duas fontes ouvidas após os encontros, há um ambiente de maior cobrança do governo, num tom acima daquele de contatos anteriores, especialmente com varejistas. Já para uma terceira fonte, são reuniões em que a pressão é natural, e nada fora do esperado, segundo um produtor. “Isso é normal, no lugar deles, eu teria a mesma postura”, afirmou.
Produtores
Pelo lado dos produtores de óleo de soja e de carnes, a linha adotada pelos representantes foi questionar a postura do comércio, relatando que muitos varejistas e atacadistas demoram a repassar as quedas recentes nas tabelas apresentadas por eles.
Frigoríficos ainda afirmaram que o comércio e o atacado não têm repassado integralmente os recuos no preço da carne em 2025, mas, horas depois, no contato com o varejo, representantes das redes afirmaram que isso ocorreu, e que as reduções encaminhadas pelos produtores são pouco expressivas frente à forte alta do ano passado.
Ainda sobre as carnes, líderes disseram na reunião que houve redução de quase 15% no preço no campo e nos frigoríficos neste início de ano, e reforçaram que há espaço para novas quedas no ano.
Fávaro defendeu uma queda mais rápida no valor do óleo de soja nas gôndolas, e pediu que o setor propusesse algo para isso. Pelo IPCA/IBGE, o produto subiu 18,7% em 2024 e 5,1% apenas em dezembro. Os representantes mostraram gráficos de preços do produto em queda e até fotos do preço em supermercados de Brasília.
Paralelo a isso, ainda foi sugerido pelos produtores zerar as alíquotas de importação do óleo de soja bruto (9%) e do óleo de soja refinado envasado (10,8%) por um curto período.
Neste caso, contribuíram a quebra na safra de soja 2023/24 e a forte demanda interna, em grande parte pelas indústrias de biodiesel. “A ideia de eliminar imposto de importação é para apresentar algo concreto ao governo de retorno no curto prazo. Não sei se vão achar que é suficiente, [mas] tem oferecer algo que gere competitividade”, disse uma fonte.
Cotas de importação
Outro tema na mesa do governo é uma possível ampliação da cota de importação do trigo. Uma medida ainda vista com cautela pelo ministério – a estratégia de taxar exportações de soja, milho, carne e etanol – continuava fora de um consenso no governo até o fim da semana passada.
Pelo lado das varejistas, quando Fávaro esteve com os líderes, o ministro questionou sobre as altas e o ritmo dos repasses, e os supermercadistas disseram que isso tem chegado ao consumidor, e saíram na defesa da tese de que as margens líquidas do setor estão abaixo da média, afetadas pela alta das taxas de juros no governo Lula.
“Falamos que há uma normalidade, ou seja, o que nos chega pelos produtores é repassado depois. E nem tem como especular, porque muitos dos produtos mais inflacionados são perecíveis, não se faz estoque com isso”, disse um interlocutor do segmento.
Há uma tabela de valores das carnes, em termos de preço médio, e que teria sido apresentada ao ministério, que mostra que de outubro a dezembro, a variação de preços recebida dos frigoríficos, no acumulado, é praticamente a mesma repassada. Em janeiro, a tabela mostra recuo médio de 2% no preço do produto dos frigoríficos ao varejo, frente a dezembro.
A diferença é que aquilo que cai num mês aos produtores, no varejo é repassado no mês seguinte. Os repasses não são automáticos.
“Carne atrai muito tráfego de cliente em loja, se as quedas tivessem chegado mais fortes, teríamos repassado porque nos interessa”, disse o CEO de uma atacadista.
Repasse ao consumidor
Segundo três fontes ouvidas, o ministro ainda teria perguntado se teria como fechar um compromisso de que todas as reduções de preços dos produtores chegariam aos consumidores. “O que foi combinado é um compromisso das empresas de acompanhar tudo, altas e baixas”, disse um vice-presidente de uma rede de atacado.
Representantes afirmaram que isso já ocorre naturalmente, respeitando as estratégias de cada companhia. As entidades setoriais, porém, não respondem pelas decisões dos associados, que competem entre si, e estes operam em livre mercado, e sem interferência do Estado.
Na sexta-feira (28), após ambas as reuniões, a expectativa era que de fossem tratadas medidas para frear a alta nos preços dos alimentos numa reunião entre Fávaro e Lula, mas a conversa não evoluiu porque dependeria de maior aprofundamento dos temas junto aos setores e empresas, apurou o Valor.
Na prática, em comum a produtores e varejistas, não há um foco na discussão, por parte do governo, em ações que possam ter efeito na produtividade ou eficiência das empresas, e com eventual repasse disso a preços.
No fim de novembro, supermercadistas já encaminharam ao governo sugestões como maior flexibilização de contratos de trabalho, pelos custos que pesam na folha de pagamentos, assim como a possibilidade de criar um novo marcador de validade de preços numa cesta de produtos, sem a extinção do prazo de validade. Isso reduziria perdas do setor, algo que poderia ter um possível impacto em preços.
Os temas não avançaram desde as conversas iniciais, e não foram foco do governo na reunião.
Pelo lado dos produtores de carnes e suínos, também chegaram a ser apresentadas no encontro questões técnicas que poderiam melhorar a produtividade.
Inflação x câmbio
Reservadamente, companhias associadas às entidades, que têm se reunido com governo, afirmaram ao Valor que a escalada da inflação alimentar é fruto, em parte, de um dólar mais caro, num ambiente externo mais tenso com o governo de Donald Trump, além de novas pressões, como gripe aviária e quebra de safras. Mas há também a perda de confiança no governo por parte de investidores, após falta de medidas claras de contenção de gastos públicos.
Na nova rodada de reuniões marcada para esta quinta-feira (6), dois encontros vão ser coordenados pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin. Ainda não há confirmação de agenda com o presidente Lula sobre o tema nem de anúncio de medidas.
O primeiro terá a participação de Fávaro e de Teixeira, além de representantes do ministério da Fazenda. À tarde, a reunião terá a presença de representantes das empresas varejistas e produtores. Consultado, o MDIC não retornou.
Procurados ontem, o ministério da Agricultura e Pecuária, o ministério do Desenvolvimento Agrário e a Abras não se manifestaram. A Abiec preferiu não comentar. A Abad informa que fará todo o esforço a seu alcance contra ameaças de inflação e em defesa do livre mercado, de um país competitivo e seguro juridicamente.