O governo federal vai pedir desculpas públicas às famílias vítimas de desaparecidos durante a ditadura militar em razão da negligência do Estado brasileiro na condução dos trabalhos para identificar as ossadas da Vala Clandestina de Perus, encontrada em São Paulo (SP).
O pedido de desculpas é parte de um acordo firmado entre familiares de desaparecidos e a União, após de uma ação pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
Além de divulgar a informação no site do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e à imprensa, a ministra Macaé Evaristo vai ler o comunicado de desculpas, no próximo dia 24 de março, em uma cerimônia no Cemitério Dom Bosco, local onde foi identificada a vala com ossadas. A data foi escolhida por ser o “Dia da Memória, pela Verdade e pela Justiça”.
A Vala de Perus foi descoberta em 1990. Ao todo, 1049 remanescentes ósseos foram retirados e enviados para análise na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Na perícia, foram identificados restos mortais de cinco militantes, vítimas de desaparecimento forçado durante a ditadura militar.
O pedido de desculpas do governo federal foi homologado em um acordo, em 03 de dezembro de 2024, pelo Tribunal Regional Federal da 3a. Região (TRF-3). O texto que será lido pela ministra Macaé também foi aprovado pelos familiares.
No comunicado, o governo afirma que a vala de Perus representa uma das “faces das violações perpetradas durante a ditadura militar brasileira“.
A União também se compromete a dar continuidade aos trabalhos de identificação das ossadas e reconhece as “graves violações de direitos humanos perpetradas por agentes de segurança, que resultaram no desaparecimento de brasileiras e brasileiros”, além de admitir a negligência nos esforços para identificar os remanescentes.
Veja a íntegra do texto que será lido pelo Ministério dos Direitos Humanos:
O caso conhecido como a “Vala Clandestina de Perus” marca a descoberta de uma face das violações perpetradas durante a ditadura militar brasileira. A abertura da vala clandestina, em setembro de 1990, no cemitério Dom Bosco, localizado no bairro Perus, Zona Norte de São Paulo, marca a descoberta de uma face das violações perpetradas durante a ditadura militar brasileira. Utilizada ilegalmente durante a década de 1970 para enterro de corpos de pessoas indigentes, desconhecidas e daquelas consideradas opositora da ditadura militar; no local, foram retirados 1.049 conjuntos ósseos que foram inicialmente levados a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e encaminhados também para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ainda, em virtude das diversas denúncias relacionadas às condições precárias de armazenamento dos remanescentes, estes foram removidos e realocados posteriormente ao Instituto Oscar Freire, vinculado a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ainda que se tenham iniciadas as tentativas de identificação dos remanescentes ósseos retirados da Vala Clandestina de Perus, as instituições envolvidas foram denunciadas pela condução dos trabalhos e pelas condições precárias de armazenamento dos remanescentes. Diante deste cenário, em 2009, o Ministério Público Federal moveu a Ação Civil Pública (ACP) 0025/69-85.2009.4.03.6/00, contra a União Federal, o Estado de São Paulo, as universidades Unicamp, USP e UFMG, as quais fizeram a guarda dos remanescentes humanos em períodos diferentes, bem como aos peritos responsáveis pela guarda dos remanescentes humanos nessas instituições. A Ação Civil Pública se deu devido ao atraso na identificação dos remanescentes humanos, em prol da retomada efetiva dos trabalhos de busca, localização e identificação de desaparecidos políticos e resultou na destinação dos remanescentes ósseos ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para os devidos trabalhos de identificação. Os avanços no processo de identificação dos remanescentes ósseos são fruto, portanto, do trabalho conduzido pela equipe multidisciplinar pericial do Grupo de Trabalho Perus (GTP), da atuação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), do Ministério Público Federal, do Gabinete da Conciliação; do Tribunal Regional da 3° Região e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e, sobretudo, do trabalho incansável das famílias, ao longo de todo esse tempo. Assim, as identificações ocorridas até hoje de Denis Casemiro (1991), Frederico Eduardo Mayr (1992), Flávio Carvalho Molina (2005), Dimas Antonio Casemiro (2018) e Aluisio Palhano Pedreira Ferreira (2018) representam uma prova material das graves violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro. Finalmente, informa-se que o Governo Federal, através do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) está comprometido em viabilizar a continuidade e finalização dos trabalhos de identificação dos remanescentes ósseos da Vala de Perus. Neste sentido, em 2024, o MDHC assinou novo Acordo de Cooperação Técnica junto ao CAAF/Unifesp e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e da Cidadania (SMDHC da Prefeitura de São Paulo) e mediou a celebração do instrumento de Carta Acordo entre a Unifesp e o PNUD, no âmbito do Projeto BRA/I5/006, de modo a financiar a contratação da equipe pericial e a retomada dos trabalhos. O MDHC também tem repassado recursos anualmente para a manutenção e o funcionamento do CAAF desde 2017, conforme estabelecido no Gabinete de Conciliação. Assim, uma vez que o Estado brasileiro reconhece as graves violações de direitos humanos perpetradas por agentes de segurança, que resultaram no desaparecimento de brasileiras e brasileiros, conforme registrado no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em nome do Estado brasileiro, pede desculpas aos familiares dos desaparecidos políticos durante a ditadura militar brasileira iniciada em 1964 e a sociedade brasileira pela negligência, entre 1990 e 2014, na condução dos trabalhos de identificação da ossadas encontradas na Vala Clandestina de Perus, localizada no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo (SP).