Maior artilheiro da história do Paraná Clube com 104 gols, Saulo de Freitas viveu o auge da história do Tricolor nos anos 1990. Após encerrar a carreira dentro das quatro linhas, o ex-atacante viu de perto dois rebaixamentos e a derrocada paranista.
Saulo de Freitas é o segundo convidado do projeto do UmDois Esportes que relembra a história de grandes ídolos do futebol paranaense. A estreia foi com Reginaldo Nascimento, ex-zagueiro do Coritiba.
O atacante teve duas passagens pelo Paraná Clube como jogador – 1991 a 1993 e 1994 a 1996. Nos dois períodos, o ídolo levantou os troféus do Campeonato Paranaense em 1991, 1994 e 1995 e da Série B do Campeonato Brasileiro de 1992.
“Foi muito satisfatório ser campeão de uma Série B. Nos anos de 1990, os melhores jogadores do futebol brasileiro estavam nas duas primeiras divisões, poucos iam para a Europa. Tudo dependia da parte salarial. Tive muitas oportunidades de sair para o Paraná e ir para grandes clubes, mas o Paraná nos anos 1990 era um dos mais importantes do Sul do País”, afirmou Saulo de Freitas.
Saulo de Freitas, ídolo do Paraná Clube
“Todos os jogadores do Brasil queriam jogar no Paraná. Flamengo, Corinthians e Botafogo me procuraram, mas não saí do Paraná. Naquele momento tinha dois clubes que pagavam em dia: Palmeiras e Paraná Clube. Ainda tinha o São Paulo também. Não saí daqui e foi a maior satisfação da minha vida vestir as cores do Paraná. Nós demos muitas alegrias para o torcedor do Paraná Clube”.
Durante a entrevista, Saulo de Freitas lembrou das campanhas dos títulos brasileiros de Palmeiras e Grêmio também nos anos 1990 e o início da carreira com Telê Santana no Atlético-MG.
O ex-atacante ainda contou sobre as passagens pelo Paraná Clube nos rebaixamentos de 2007 para a Série B e de 2021 para a Série D e opinou sobre o futuro do Tricolor após uma nova queda para a segunda divisão do Campeonato Paranaense.
Leia a entrevista na íntegra com Saulo de Freitas, ídolo do Paraná Clube
Início da carreira
Eu fui fazer um teste no Valério Doce, passei no teste e joguei praticamente só três meses na base. A base que fiz mesmo foi no futebol amador. Eu estreei no profissional do Valério, em Uberlândia, e marquei três gols. Lógico que não joga só no futebol e tive a felicidade de jogar com meus amigos.
Trabalho com Telê Santana no Atlético-MG
A melhor coisa que aconteceu na minha carreira foi ter conhecido Telê Santana como treinador. Além de pessoa, ele era um ótimo gestor de grupo. Ele também era como se fosse um pai. A maioria dos jogadores quando começa quer comprar carro, mas falou para comprar casa e terreno.
O Telê como treinador dispensa comentários. É um dos maiores treinadores que eu vi. Ele sempre falava que vamos fazer três, quatro gols, mas também podemos tomar. Gostava do futebol bem ofensivo, não gostava que não fosse um futebol envolvente para que o torcedor pudesse pagar o ingresso e saísse satisfeito. Toda vida existia a tática, naquela época se jogava no 4-4-2. Quando jogava com ele, a posse de bola já existia e ele foi um mentores do futebol-arte. Você estando com a bola, estaria descansando e cansando o adversário. Futebol é procurar envolver o adversário e o objetivo é sempre o gol. Se fosse para ter posse de bola, colocava debaixo do braço e colocava no guarda-roupa. Foi uma das melhores pessoas que conheci. Depois, ele foi para o São Paulo e levou para um nível internacional.
Campeão brasileiro com o Palmeiras em 1993
Estava no Paraná Clube, tive uma discussão com o Levir Culpi e acabei não querendo ficar. Eu detesto atrapalhar trabalho dos treinadores. Se não poderia ajudar, eu conversei com o presidente e fui emprestado para o Guarani. Só que neste momento no Guarani, o Evair tinha terminado o contrato com o Palmeiras e estava para ir para o Japão. O Vanderlei Luxemburgo me ligou e perguntou se poderia fazer parte do grupo do Palmeiras. Fui contratado, mas o Evair renovou o contrato. Se não, não teria assinado o contrato. Eu sempre gostei de jogar e queria dar sequência.
Era a Parmalat no Palmeiras e tinha duas equipes de qualidade. Eu ganhava bem, fiquei seis meses e fui campeão brasileiro. Entrei bem nas partidas, fiz gol e ajudei o Palmeiras o pouco que pude. A SAF já existia lá atrás, mas era diferente, com um dono só. Quem mandava no Palmeiras era a Parmalat. O dinheiro que tinha era para investir em jogador de qualidade. Por isso, o Palmeiras tinha o melhor elenco em 1993.
Poucas oportunidades no Palmeiras
Se tivesse jogado, teria feito 100 gols. A função do Evair era diferente, não era centroavante. Edílson e Edmundo jogava pelos lados e o Evair fazia o pivô no meio-campo. Ele não era um cara veloz, tinha dificuldade para chegar na área, mas fez os gols. Se eu jogasse, não teria aceitado fazer essa função, gostava de fazer gols. Vanderlei optou pelo Evair. A bola passava na frente do gol de 14 a 15 vezes em uma única partida. Não tem como jogador não fazer gol e eu era homem de área. Não pude jogar naquele momento, mas não tem arrependimento.
Campeão brasileiro com o Grêmio em 1996
Eu joguei pouco no Grêmio. Já tinha problema na coluna, mas tive um problema no tornozelo e fiquei quase dois meses e meio parado. Uma lesão muito forte na Argentina, onde a gente estava jogando com o Vélez Sarsfield. Eu acabei perdendo a posição. Nunca fui de ficar atrapalhando a carreira de ninguém, falei para o Felipão que queria jogar. Foi uma época muito boa, fiz bons amigos e sempre deixei essa marca com títulos.

Primeira passagem pelo Paraná Clube e título da Série B de 1992
Foi muito satisfatório ser campeão de uma Série B. Nos anos de 1990, os melhores jogadores do futebol brasileiro estavam nas duas primeiras divisões, poucos iriam para a Europa. Tudo dependia da parte salarial. Tive muitas oportunidades de sair para o Paraná e ir para grandes clubes, mas o Paraná nos anos 1990 era um dos mais importantes do Sul do País.
Depois disso, o Paraná deu sequência a sua trajetória vencedora e foi campeão do Campeonato Paranaense. Tinha um elenco e uma base muito boa. Clube não consegue manter a estrutura de grandes jogadores para iniciar uma competição, vai ter dificuldades. Não adianta contratar pacote de jogadores se não tem entrosamento. O Paraná tinha um elenco e só contratava as peças que precisava para o setor. Além disso, tinha a base com o Ary Marques de treinador. Se não tinha dinheiro para contratar, ia na base praticamente pronto.
Força do Paraná Clube nos anos 1990

Todos os jogadores do Brasil queriam jogar no Paraná. Flamengo, Corinthians e Botafogo me procuraram, mas não saí do Paraná. Naquele momento tinha dois clubes que pagavam em dia: Palmeiras e Paraná Clube. Ainda tinha o São Paulo também. Não saí daqui e foi a maior satisfação da minha vida vestir as cores do Paraná. Nós demos muitas alegrias para o torcedor do Paraná Clube, a torcida que tem hoje vem da década de 1990. O Paraná era um clube muito bem organizado, tinha 60 mil sócios em dia. Adiantamento saia no dia 15 e o pagamento no dia 05. Não tinha como deixar o clube nesta maneira.
Nos anos 90, Paraná tinha dois ou três CTs. Um era onde tem um mercado na Avenida das Torres atualmente, o Boqueirão e a Vila Capanema. Ainda tinha um espaço especial perto do Pinheirão. Por isso teve muito sucesso. Quando eu cheguei em 91, já tinha uma equipe formada. Chegou eu, Balu e João Antônio. Jogadores que vieram de Grêmio, Cruzeiro e Atlético-MG. Eram as peças no lugar certo e na hora certa. Eu saí do Atlético-MG porque queria atuar, apareceu até o Coritiba, mas o Paraná ofereceu mais.
Quais os principais jogadores que jogou junto
Joguei com muitos jogadores de qualidade. Seria muito injusto. O melhor treinador eu posso falar e foi o Telê Santana. Depois foi o Otacílio [Gonçalves, técnico do Paraná Clube na Série B de 1992]. No Paraná tinha o Adoílson, Balu e João Antônio… eram muitos jogadores, vou esquecer de algum e pode magoar alguém.
Todos foram importantes, mas lógico que alguns tem amizade e outros não conversava muito. Quando entra em campo, tem a amizade e lutar pelo que você quer. O maior ódio que eu tenho no futebol é falar de transformar o time em família. Toda família briga. O futebol é de todos, 11 jogam, o restante que fica de fora precisa apoiar e trabalhar bastante para corresponder quando entrar.
Saulo de Freitas: artilheiro nos anos 1990 daria certo no futebol brasileiro de hoje?
Para ser sincero, eu fazia nos anos 90 tudo que o pessoal faz hoje. Não é falar em ser melhor que ninguém, mas já treinava velocidade e explosão. Se tivesse jogando hoje, seria muito melhor ainda. Os jogadores preparam melhor as suas musculuturas, é muito bem treinado, mas os trabalhos não são tão intensos. Hoje é explosão muscular e força o tempo todo. Isso faria com que eu fosse mais veloz e com mais força.
Lógico que hoje você vê a maioria das equipes joga atrás no meio-campo na marcação. Eu conversei tempo atrás com o Ageu, técnico do São Joseense, que precisa de atacantes velozes. Pode até jogar com centroavante de área, mas não pode ser lento, precisa de uma explosão de seis, sete metros. Futebol é velocidade, não é muito bonito, mas quem estiver bem, vai poder jogar.
Falta de goleadores no Brasil
Eles não treinam. Ninguém ensina ninguém a jogar, Deus te dá o dom. Você não aprende a cantar, você nasce cantor. Jogador de futebol hoje é muito fabricado. Ele não pode treinar falta depois do treino, não pode treinar cabeceio e não pode finalizar para não machucar. Queria saber quem foi o cara que inventou isso? Se o corpo acostumou com isso, não vai ter problema. Lógico que tudo tem limite. Ou acha que o Zico fazia gol porque só batia e era gol. Era trabalho.
Eu cheguei no Atlético-MG e o Telê falou que precisava melhorar meu cabeceio. Eu fui treinador e não me machuquei. Um grupo tem 30 atletas, se alguém se machucar, coloca outro da posição. Se não render, coloca alguém que possa render. Futebol é uma empresa, ou rende ou não rende.
Fim precoce da carreira de jogador
Eu tive um problema de coluna. Fiz três cirurgias na coluna e parei com 29 anos, no auge da minha carreira. Comecei a ter muita dor e pressionar meus nervos. Em 1996, eu já comecei a perceber que estava perdendo velocidade por conta da dor.
A minha carreira foi ótima e tive a felicidade de fazer gols onde passei. Fiz quase 350 gols na minha carreira e parando aos 29 anos. Se não tivesse algumas lesões, poderia ter feito mais.
O futebol é simples e continua sendo simples, mas muita gente complica. Fala muito de tática e pouco de aperfeiçoar jogadores. Minha tristeza é que vejo muitos campinhos em Curitiba, mas poucas crianças brincando. A criança não vai aprender driblando cone em escolinha, é na rua. A minha escola foi no amador e na rua. A técnica que tive foi por causa dos campinhos de terra.
Técnico no rebaixamento do Paraná Clube no Brasileirão de 2007

Faltavam sete rodadas para terminar a primeira divisão quando eu cheguei em 2007. Eu fui dar um treino e vi jogadores se arrastando. Pensei ‘dificilmente o Paraná vai escapar da segunda divisão com os jogadores cansando com 15, 20 minutos’. Não lembro quem montou aquele grupo, mas fiz o possível, tentei e trabalhei para tentar tirar o Paraná daquela situação. Era muito difícil.
Logo depois que o Paraná foi rebaixado, eu sentei com a diretoria e falei que precisavam mudar a cultura do clube de dirigente ter que ser amigo de jogador, tomar cerveja com jogador e discutir se o técnico é bom ou ruim. Na sua empresa, você tem que ter a chave. O Paraná deu a chave da casa dele para jogadores e pessoas que não ajudam em nada e só querem usar o clube para se promover.
Muita gente foi contra mim também já em 2004 e em 2000. Ninguém quis me ouvir e, infelizmente, um só não consegue desfazer o sistema. Sempre falei a verdade e deixei de ser treinador porque não concordam com as coisas que fazem. Treinador não é dono do clube, mas precisa escalar o time.
Campanha do rebaixamento do Paraná Clube para a Série D em 2021

O Maurílio era o treinador, tinha o Ageu e eu cheguei depois como coordenador técnico. Eu cheguei para ajudar, mas o pessoal já tinha contratado e o Moisés [Von Ahn, ex-diretor de futebol] foi quem contratou os jogadores. Já estava tudo pronto, o grupo fechado, quando eu cheguei.
O Paraná subiu dez jogadores da base com o Maurílio, mas nenhum vingou. Isso significa que o trabalho na base também não era muito bom. Eu depois também treinei esses jogadores da base e vi que tinham dificuldades. Ajudei o Maurílio um pouco no campo para que as coisas dessem certo.
O Paraná naquela ocasião já estava sem crédito, não pagava os jogadores. Nós estávamos no campo ajeitando os trabalhos e os jogadores não queriam ir para o campo por greve. Era complicado. O ambiente era ruim, eles não recebiam.
Depois veio a empresa [FDA Sports] que piorou. Tinha jogador chegando do seu lado e nem sabia quem era. Falei que não ia dar certo e não deu, o Paraná caiu para a Série D. Jogador chega hoje, joga amanhã, onde que já se viu isso? Jogador precisa de ter, no mínimo, 20 dias de trabalho.
Não tinha organização e dinheiro para pagar os atletas. Não é só o Paraná que passa por essas situações. O Coritiba saiu da Copa do Brasil, não foi para a final do Campeonato Paranaense de novo. Dois clubes fortes do estado e precisam rever o que estão fazendo.
O Paraná precisa rever a base, formar uns quatro ou cinco atletas para disputar a Série B [do Estadual] e depois fazer investimentos nos atletas para que eles possam ser financeiramente bons para o clube. Se não for assim, não funciona.
Como vê o momento do Paraná Clube
É uma situação muito triste. O Carlos Werner teve a felicidade de unir a torcida novamente, lotar os estádios e levar o time para a primeira divisão junto com o Tcheco e a comissão. Eu sempre digo que o mais importante era o torcedor. Se não tivesse investido seu dinheiro no projeto, o Paraná teria a mesma dificuldade. Ninguém vai tirar dinheiro do bolso para dar para jogador. A torcida de um clube é o que tem de especial. O dia que ela acabar, o clube também acaba.
Vejo pessoas falando no futebol brasileiro em si sobre as torcidas organizadas, mas se o clube não existir, ela também não vai existir. Não gosto que a torcida organizada se envolva no futebol porque depois não tem como cobrar. Tem que pensar da maneira correta.
O Paraná, para voltar a suas glórias, precisa se reorganizar. Fico feliz que o Carlos Werner está no clube. Claro que quando cai, sempre tem os culpados. Aconteceu com o Carlos também. Subiu, caiu, e a torcida sempre apoiou. Não sabemos se na próxima a torcida vai apoiar financeiramente.
A torcida nunca desiste do seu clube e precisa continuar torcendo. O Paraná precisa fazer uma proposta para a torcida e fazer uma base boa. A torcida é quem quer o bem do clube e não quem quer tirar do clube.

Saulo de Freitas voltaria para o Paraná Clube?
Eu me afastei um pouco do Paraná, mas sempre ajudei quando fui chamado. Não sou torcedor, sou um profissional, mas não gosto das coisas erradas. Não me chame para fazer coisas erradas que não gosto.
Em 2021, quando caímos para a Série D, apareceu a LA Sports e eu fui contra. Ela estava lá em 2007 e já tinha feito as coisas erradas. Eu fui voto vencido. Para quê vai trabalhar se tem uma opinião e os outros têm outra por interesse próprio.
Outro queria colocar um treinador que achava que não era ideal para o Paraná naquele momento e eu fui contra. Ainda faziam churrascos para levar os caras e ver se unia para conseguir os resultados. Isso não funciona no futebol profissional.
Paraná necessita de uma SAF, mas como vai ter uma SAF se só disputa a segunda divisão do Paranaense. É complicado. Ninguém vai investir dinheiro no Paraná neste momento. A chance do Paraná Clube foi neste ano.
Tinha que ter chamado o Tcheco para ter continuado. Nada contra o Argel, mas qual a mentalidade da pessoa que trouxe o Argel? Ele é gaúcho e não tem nada a ver com o estilo de jogo do Paraná Clube. Quando vai atrás de um treinador, precisa ver como que gosta de jogador. Se gosta de jogar atrás, não serve para o Paraná, que sempre jogou em busca do gol.
Não é só o Paraná, olha o Flamengo. O Tite foi para o Flamengo, mas o estilo de trabalho dele não funciona no Flamengo. O Cruzeiro e o Atlético-MG também têm outro estilo. Antes de contratar um técnico, você precisa ver como que gosta de jogar.