Além de enganar o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e até mesmo alegar ser descendente de nobres britânicos, o juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis, que durante mais de 40 anos se apresentou com o nome falso de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, enganou também a faculdade de direito mais concorrida do Brasil.
José Eduardo cursou Direito na Universidade de São Paulo (USP), localizada no Largo São Francisco, no centro de São Paulo, na década de 1980. A faculdade é uma das instituições de ensino superior mais prestigiadas e com um dos processos seletivos mais concorridos da América Latina.
Juiz que mentiu identidade por 40 anos usou nome que nunca existiu
Para ingressar em cursos de graduação como o de Direito na USP, os candidatos precisam ser aprovados no vestibular da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest). O “Manual de Informações Fuvest 1986” detalha os procedimentos e requisitos para a seleção daquele ano, que provavelmente eram semelhantes aos exigidos na época em que José Eduardo iniciou seus estudos.
Manual e posicionamento da USP
O Concurso Vestibular da Fuvest era realizado em duas fases. A primeira fase consistia em uma prova de conhecimentos gerais, com questões de diversas disciplinas do ensino médio, como Português, Matemática, Física, Química, Biologia, História e Geografia. Esta etapa tinha caráter eliminatório.
Os candidatos aprovados na primeira fase eram convocados para a segunda fase, que compreendia provas discursivas de matérias específicas, dependendo da área do curso escolhido. Para os candidatos ao curso de Direito, eram exigidas provas de Português e outras disciplinas da área de Humanidades.
O manual também indicava a necessidade de apresentar documento de identidade no ato da inscrição e durante a realização das provas. Entre os documentos colhidos após a aprovação do curso estão o Certificado de conclusão do ensino de 2º grau ou equivalente (duas vias) e o Histórico escolar do curso de 2º grau ou equivalente (duas vias).
A USP, por meio de sua assessoria, informou à CNN que “uma vez que ele tenha apresentado os documentos, a matrícula é aceita” e que “neste caso, entendemos que o documento dele não era falsificado, pois havia sido emitido pela autoridade competente”. A Faculdade de Direito da USP, por sua vez, optou por não se posicionar sobre o caso.
Relembre o caso
A descoberta da farsa de José Eduardo – ou Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield – ocorreu em outubro de 2024, quando ele tentou obter uma segunda via da carteira de identidade com o nome falso no Poupatempo da Sé. A comparação das impressões digitais revelou a duplicidade de identidades.
As investigações apontaram ainda que ele possuía dupla inscrição eleitoral e no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), além de ter utilizado um passaporte com o nome falso para deixar o país.
Juiz utilizava duas identidades e obteve vários documentos; entenda
O TJ-SP suspendeu o pagamento da aposentadoria do magistrado, e o Ministério Público de São Paulo (MPSP) o denunciou por uso de documento falso e falsidade ideológica. O caso segue em segredo de justiça. A motivação por trás da elaborada fraude que durou mais de quatro décadas ainda é desconhecida.
Juiz que usava nome falso foi coordenador da Escola do Tribunal de Justiça de São Paulo
A CNN tenta contato com a defesa de José Eduardo.
Como o juiz que usava nome falso em SP foi descoberto
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo – que foi aceita pela Justiça na semana passada – José Eduardo foi ao Poupatempo da Sé, na região central da capital paulista, para obter a segunda via do documento.
Saiba como juiz teve identidade revelada por órgão em São Paulo
A denúncia informa que “mais uma vez falsamente firmou a Ficha de Identificação do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) como Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield”. Para isso, ele teria apresentado uma certidão de nascimento falsificada.
Porém, quando foram colhidas as impressões digitais do “fictício Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield”, foi constado que as mesmas batiam com as de José Eduardo Franco dos Reis.
Diante da inconsistência entre os dados, foi instaurado um inquérito preliminar na Delegacia de Polícia de Combate a Crimes de Fraude Documental e Biometria, “na qual se comprovou que, além da duplicidade de registro geral ocasionada pela criação da pessoa fictícia Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, o denunciado José Eduardo Franco dos Reis também obteve dupla inscrição eleitoral e dupla inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas [CPF] da Receita Federal do Brasil, além de passaporte por ele utilizado para deixar o território nacional depois de descoberta fraude“.