A Justiça Federal, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), determinou liminarmente que o estado de Mato Grosso adote as medidas necessárias para garantir que os cargos de gestão das escolas localizadas em territórios quilombolas sejam ocupados por candidatos remanescentes das próprias comunidades. A decisão, assinada em 5 de abril, visa assegurar o cumprimento da legislação que protege os direitos das comunidades tradicionais.
O caso em questão envolve a Escola Estadual Maria de Arruda Muller, situada na comunidade quilombola Abolição, no município de Santo Antônio de Leverger. Segundo o MPF, o atual gestor da unidade não é quilombola, não se candidatou especificamente para a vaga e não apresentou a carta de recomendação da comunidade local, um critério importante para a gestão escolar em territórios tradicionais.
Para o procurador da República Ricardo Pael, responsável pelo caso, a decisão busca concretizar o direito à educação diferenciada e à participação ativa da população quilombola na administração das escolas que atendem suas comunidades, conforme previsto em leis federais e tratados internacionais. Pael destacou que “o ensino ministrado com respeito à própria cultura representa uma forma de empoderamento do grupo etnicamente diferenciado, sobrelevando-se, portanto, sua autonomia”.
A ação do MPF foi motivada por uma denúncia de representantes da comunidade Abolição, que relataram que a nomeação do novo gestor da escola ocorreu sem consulta prévia e desconsiderando o pertencimento étnico e cultural. O antigo diretor, um remanescente quilombola, foi impedido de concorrer à recondução ao cargo devido a uma norma da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-MT) que veda a recondução na mesma escola, mesmo sendo ele o único candidato da comunidade.
O MPF argumentou que a norma estadual de não recondução deve ser interpretada à luz da legislação federal e internacional, que prioriza a participação efetiva dos povos tradicionais nas decisões que os afetam diretamente. Essa legislação inclui a Resolução nº 8/2012 do Conselho Nacional de Educação, o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Convenção nº 169 da OIT.
Na decisão liminar, a Justiça Federal determinou que o estado de Mato Grosso, por meio da Seduc, interprete suas normas em consonância com as leis federais e internacionais, permitindo a recondução de gestores quilombolas na ausência de outros candidatos qualificados da comunidade. O estado tem 15 dias para reavaliar a situação da Escola Maria de Arruda Muller, reconsiderando a inscrição do candidato quilombola, e para consultar a comunidade Abolição sobre a designação do diretor.
A liminar também impede o estado de praticar atos que contrariem a prioridade de candidatos quilombolas e estabelece uma multa diária de R$ 2 mil em caso de descumprimento. Ao final da ação, o MPF busca a condenação do estado à edição de normas estaduais que assegurem a gestão escolar quilombola e ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos.