Em mais um capítulo da crescente tensão entre produtores e tradings, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) formalizou, a pedido da Justiça, a cifra bilionária de R$ 1 bilhão como indenização por danos morais coletivos relacionados à Moratória da Soja. A ação civil pública coletiva, movida no fim de abril, mira 27 tradings que integram o acordo, acusadas pela entidade de limitar indevidamente o escoamento da produção agrícola mato-grossense.
A Moratória da Soja — pacto firmado em 2006 entre empresas, sociedade civil e organizações ambientais — impede a comercialização da oleaginosa oriunda de áreas desmatadas na Amazônia após julho de 2008. Para a Aprosoja-MT, no entanto, esse instrumento transformou-se, ao longo do tempo, em barreira comercial e prática anticoncorrencial, afetando diretamente a liberdade de plantio e venda dos produtores. Segundo a entidade, a medida prejudica o cultivo em 2,7 milhões de hectares distribuídos por 85 municípios do Estado.
Ao quantificar o pedido, a Aprosoja argumentou que o montante é “mínimo”, passível de elevação conforme a apuração judicial, e representa apenas 0,05% do faturamento agregado, que ultrapassa R$ 1,8 trilhão, das cinco principais tradings em operação no Brasil em 2024. “O montante poderia ser auferido por essas empresas em menos de um quarto de um único dia de operação comercial”, afirmou a entidade, para ilustrar a desproporção entre o impacto financeiro da indenização e a capacidade econômica dos réus.
Além da alegação de dano moral coletivo, a associação sustenta que o acordo ambiental, sob o pretexto de proteção da floresta, mascara práticas de natureza anticoncorrencial. “Embora pareça se voltar à nobre proteção ambiental, trata-se de uma cortina de fumaça para ocultar graves atos anticoncorrenciais no relevante mercado da soja”, acusa a Aprosoja-MT.
No processo, a entidade também critica a suposta incoerência das tradings, que recusam soja oriunda de áreas desmatadas após 2008, mas comercializam outros produtos agrícolas, como arroz, feijão e sorgo, vindos das mesmas regiões. Segundo a Aprosoja, o mecanismo de exclusão de produtores funciona a partir de listas de restrição secretas, elaboradas sem qualquer transparência ou possibilidade de contraditório. “O controle dessa regra supralegal, ilegal e inconstitucional se dá de maneira escusa e reprovável”, afirma a associação no documento protocolado ontem.
Silêncio das tradings e julgamento no STF
Até o momento, a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), entidades que reúnem as principais tradings envolvidas, optaram por não se manifestar publicamente sobre a ação. Ambas tradicionalmente defendem a Moratória como política essencial para a credibilidade do agronegócio brasileiro nos mercados internacionais, especialmente na Europa e na Ásia, onde cresce a pressão por cadeias produtivas livres de desmatamento.
Paralelamente à disputa judicial entre Aprosoja e as tradings, outro front jurídico se desenrola no Supremo Tribunal Federal (STF). Está pautado para ocorrer, entre os dias 30 de maio e 6 de junho, no plenário virtual, o julgamento da medida cautelar concedida pelo ministro Flávio Dino na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7774. A liminar autorizou a entrada em vigor de parte da lei estadual de Mato Grosso que veda a concessão de benefícios fiscais a empresas que aderem à Moratória da Soja.
Essa legislação, defendida por setores do agronegócio local, é apontada como uma tentativa de desestimular o engajamento de empresas em pactos privados que, segundo críticos, interferem indevidamente no exercício da atividade econômica e no direito de propriedade. Ambientalistas e as próprias tradings, por outro lado, avaliam a iniciativa como um retrocesso institucional, que pode comprometer a imagem do país e dificultar acordos comerciais internacionais que incluem cláusulas ambientais.
O litígio expõe um embate estrutural no coração do agronegócio brasileiro: de um lado, produtores que reclamam de barreiras comerciais não previstas em lei e da insegurança jurídica provocada por normas privadas; de outro, empresas que respondem às exigências de mercados cada vez mais atentos aos critérios de sustentabilidade e aos riscos associados ao desmatamento.
Mais do que uma ação bilionária, o processo movido pela Aprosoja-MT se insere em uma disputa sobre quem tem o poder de estabelecer as regras do jogo no setor agroexportador brasileiro: as cadeias produtivas articuladas com os mercados internacionais ou os produtores locais que se sentem prejudicados por exigências que consideram arbitrárias e inconstitucionais.
Enquanto o Judiciário não se pronuncia, cresce a expectativa sobre os efeitos práticos do eventual acolhimento do pedido de indenização, que poderá estabelecer precedentes inéditos na relação entre produtores, empresas e políticas ambientais no país. A cifra de R$ 1 bilhão, embora apresentada como “modesta” pela entidade autora, sinaliza o grau de insatisfação e a disposição do setor produtivo para confrontar as tradings em todas as instâncias.
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