Um sonoro grito pela intensificação do combate à violência de gênero ecoou entre os palestrantes e participantes do 1º Simpósio STJ Violência Doméstica e Justiça, realizado nesta quinta-feira (18) no Superior Tribunal de Justiça. Entre manifestações de diversos magistrados e especialistas no tema, o evento teve como destaque a participação de Maria da Penha, símbolo da luta em defesa das mulheres.
Encerrando o calendário de eventos do tribunal em 2025, o simpósio trouxe à discussão temas como violência institucional, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a efetividade da aplicação de medidas protetivas.
Participaram da abertura do encontro o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin; a presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha; e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.
Para Herman Benjamin, todos os órgãos do Judiciário – incluindo o STJ – têm responsabilidade no enfrentamento à violência e às assimetrias de gênero, as quais produzem, segundo ele, uma cidadania incompleta: “Não podemos ser chamados de Tribunal da Cidadania enquanto não tivermos o rosto da sociedade”.
Brasil vive “epidemia” de violência de gênero
Citando episódios brutais recentes – como os que vitimaram Tainara Souza Santos, em São Paulo, e Catarina Kasten, em Santa Catarina –, o ministro Vieira de Mello qualificou a violência de gênero no Brasil como uma verdadeira “epidemia”. No campo do direito trabalhista, ele apontou problemas relacionados à violência de gênero no mercado do trabalho e às situações de absenteísmo e de expulsão definitiva da mulher da vida profissional.
A ministra Maria Elizabeth Rocha falou sobre algumas frentes de atuação da Justiça Militar, como o projeto aVIVA-se, que busca promover a equidade, o acolhimento e a assistência às vítimas de violência, especialmente a de gênero.
Maria da Penha: a dor transformada em lei
A ativista Maria da Penha – cuja luta pessoal por justiça contra seu ex-marido resultou na edição da lei que leva o seu nome – afirmou que sua maior vitória não foi ver o seu agressor preso, mas sim testemunhar a sua dor se converter em lei. Destacando o papel da Corte Interamericana de Direitos Humanos nessa jornada, ela disse que se sentiu “órfã da Justiça” em muitas situações e que somente após a intervenção de instituições internacionais viu o seu caso ser verdadeiramente levado a sério.
O vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou a atuação do tribunal na construção de precedentes sobre a questão. Um exemplo indicado por ele foi o Tema Repetitivo 1.249, no qual a Terceira Seção estabeleceu que as medidas protetivas de urgência não dependem da existência de boletim de ocorrência, ##inquérito## policial ou processo cível ou criminal.

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia enfatizou que, mesmo ocupando uma alta posição no Judiciário, não foi poupada de episódios de discriminação e misoginia. A ministra também sublinhou a necessidade de mais dados e pesquisas sobre o cenário de violência de gênero para o desenvolvimento de novas transformações sociais e institucionais nesse terreno.
Judiciário também deve atuar de forma preventiva
Durante o painel “Direitos Humanos e Cidadania: Avanços na Proteção das Vítimas de Violência Doméstica”, a ministra Maria Marluce Caldas apontou a necessidade de que a Justiça não trabalhe apenas de forma reativa. Segundo ela, o Judiciário não pode atuar somente depois dos atos de violência, mas deve agir também preventivamente.
O ministro Rogerio Schietti Cruz citou o passado colonialista e patriarcal da sociedade brasileira como elemento que influencia as consciências individuais, de modo a alimentar e perpetuar a violência. Ele falou de crenças arraigadas que até pouco tempo atrás estavam presentes nos julgamentos dos tribunais, como a ideia da “legítima defesa da honra”, estratégia de defesa que responsabilizava o comportamento da mulher pela conduta violenta do agressor.
A delegada Eugênia Villa, da Polícia Civil do Piauí, classificou a proteção às mulheres como um “movimento inacabado”, o que exige contínua atuação da Justiça, fixação de jurisprudência sólida contra a violência de gênero, fortalecimento das instituições e aprimoramento do sistema legislativo.
Medidas protetivas salvam
No painel “Perspectiva Interdisciplinares no Enfrentamento à Violência Doméstica”, o ministro Marco Buzzi afirmou que o mundo está melhorando com a presença das mulheres em posições decisórias mais importantes.
O juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Francisco Tojal comentou que, para garantir a verdadeira equidade, a Justiça não pode apenas aplicar a literalidade da lei, mas deve “enxergar quem precisa de um degrau a mais para alcançar o mesmo patamar”.

A defensora pública de Minas Gerais Samantha Vilarinho declarou que “as medidas protetivas salvam”. Para ela, o combate à violência de gênero não ocorre apenas na perspectiva punitivista, ou seja, não bastam a tipificação de crimes e o endurecimento de punições para que se complete o sistema de proteção à mulher.
Combate à violência deve considerar realidades regionais
O painel “Medidas Protetivas de Urgência e Efetividade: Desafios e Perspectivas” teve a participação do ministro Sebastião Reis Júnior, para quem a aplicação dessas medidas deve ser precedida da escuta adequada das vítimas, da coleta de dados e do aprimoramento das redes de apoio. Ele disse também que o enfrentamento do problema exige levar em consideração as diferentes realidades sociais do Brasil.
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ foi citado inúmeras vezes pelos palestrantes como um instrumento essencial posto à disposição do Judiciário no combate à violência de gênero. Apesar de considerá-lo fundamental, a juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Karen Vilanova defendeu a necessidade de uma camada adicional de proteção no caso da mulher negra, inclusive com uma análise mais cuidadosa do conjunto probatório pela Justiça.
Para a magistrada do TJRS, a neutralidade do julgador quanto à raça e ao gênero promove uma espécie de “mortalidade seletiva”.
Na visão da desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Adriana Ramos de Mello, durante muito tempo, o Sistema de Justiça tratou a violência de gênero como “uma questão menor”. Ela também abordou sua experiência como chefe da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.
Brasil tem sido visto como tolerante com a violência de gênero
Única mulher a ocupar o cargo de procuradora-geral da República, Raquel Dodge criticou o uso da tese da legítima defesa da honra, em casos judiciais antigos e recentes relacionados à violência contra a mulher, e citou a classificação do Brasil como um país tolerante com a violência de gênero por instituições internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O encerramento do evento coube ao diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministro Benedito Gonçalves, que realçou a importância de os atores do Sistema de Justiça estarem sempre ativos no combate à violência doméstica contra a mulher.
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