A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, deu provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) no processo sobre a morte de um homem negro agredido por funcionários de um supermercado de Porto Alegre, em novembro de 2020. O episódio ganhou repercussão nacional e ficou conhecido como Caso João Alberto.
O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, concluiu que a qualificadora de motivo torpe ligada ao preconceito racial não é manifestamente improcedente e deve ser analisada pelos jurados. Conforme a decisão, nessa fase do processo, cabe apenas verificar se há elementos mínimos que justifiquem levar a acusação ao tribunal do júri, competente para julgar crimes dolosos contra a vida.
“Em prestígio à soberania do júri, a definição sobre a presença ou não de motivação racial no delito deve ser reservada aos jurados, a quem compete a exata ponderação do conjunto probatório e dos elementos fáticos e históricos do caso, razão pela qual não vislumbro manifesta improcedência da referida qualificadora”, afirmou.
Com isso, a pronúncia passa a ser por homicídio triplamente qualificado – além do motivo torpe, o MPRS apontou uso de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima.
Pronúncia deve se limitar a verificar materialidade e indícios de autoria
O recurso do MPRS questionava a decisão da Justiça gaúcha que havia excluído, na fase de pronúncia, a qualificadora de motivo torpe. Para o MPRS, a exclusão antecipada da qualificadora violou a competência constitucional do tribunal do júri, já que a pronúncia deve se limitar a verificar a existência de prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria.
De acordo com as instâncias locais, não havia prova concreta de que a violência tivesse sido motivada por racismo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que não houve relatos de ofensas raciais explícitas nem testemunhos que indicassem, de forma direta, discriminação racial durante a abordagem dos funcionários do supermercado.
Ao analisar o recurso, Sebastião Reis Júnior afastou esse entendimento. Segundo ele, a decisão de pronúncia não comporta juízo aprofundado sobre o mérito da acusação.
O relator destacou que qualificadoras só podem ser excluídas na pronúncia se forem manifestamente improcedentes, o que não se verifica quando existem indícios que permitem sua análise pelos jurados. Para o ministro, ao retirar a qualificadora da acusação, a Justiça gaúcha acabou valorando provas e circunstâncias do caso, o que invade a competência do conselho de sentença.
Racismo também se expressa por práticas estruturais
Em seu voto, o ministro ressaltou que a ausência de manifestações racistas explícitas não impede o reconhecimento, em tese, de motivação torpe baseada em racismo. Ele explicou que o racismo não se expressa apenas por palavras ou gestos diretos, mas também por práticas estruturais, como abordagens desproporcionais, vigilância excessiva e uso de força exacerbada contra pessoas negras e socialmente vulneráveis.
O relator apontou que o fato de a vítima ser um homem negro, monitorado de forma intensa dentro do estabelecimento e submetido a uma contenção violenta, é um dado relevante que não pode ser desconsiderado nessa fase processual. Para ele, a possibilidade de que a conduta tenha sido influenciada por preconceitos estruturais é suficiente para que a questão seja submetida ao tribunal do júri, sem exigir prova definitiva da motivação.
Também foi apontado pelo ministro que há nos autos um elemento específico de prova considerado relevante: o depoimento da delegada de polícia responsável pelo inquérito, que identificou a influência de estigmas sociais e da condição racial e socioeconômica da vítima na abordagem adotada pelos envolvidos.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.









